sábado, 1 de fevereiro de 2014

De moradores a engenheiros, todos querem ver de perto a megaestrutura em construção no Sul de SC

Cerca de 1,6 mil homens trabalham para edificar os mais de 2,8 quilômetros de extensão em formato estaiado, uma das mais belas estruturas de engenharia que existem no mundo.

Por Sâmia Frantz

Embora fosse sempre uma festa, a jovem Otília tremia de medo ao atravessar a pé a Ponte Tereza Cristina em Laguna. Corria o início dos anos 1930 e a ponte era a única ligação entre as duas metades da cidade, cortada ao meio pelo Canal das Laranjeiras. Feita de ferro, estreita, instável, já à época era quase uma senhora – havia sido inaugurada 50 anos antes, em 1882, após ser trazida pelo mar direto da Inglaterra. Mas então, uma nova ponte, mais moderna, começou a surgir ali ao lado – primeiro uma ferrovia, que, depois, viria a se transformar na Ponte Henrique Lage, em uso até hoje. Conforme a obra crescia, crescia também a paixão de Otília por um dos operários, um homem oito anos mais velho que havia deixado a família em Paulo Lopes para trabalhar na construção daquele novo monumento. Oito décadas mais tarde, a ponte centenária que um dia assustou, agora já provoca temor. Ela continua lá, enferrujando e evocando lembranças boas, bem de frente para o pátio da casa onde Otília mora com a filha do meio, Terezinha, no alto do morro da Ponta das Laranjeiras. Aos 93 anos, ela já não escuta como antes, vê o mundo embaçado e não tem mais a companhia do marido, o antigo operário Antônio Teófilo da Silveira – morto há 44 anos. A nova ponte, construída por ele, também já deixou de ser novidade.




Modernidade desponta ao lado da estrutura histórica

Ali, da janela de casa, Otília viu os anos engolirem a modernidade que a ponte já esbanjou um dia. E, no lugar de solucionar, virou um dos principais gargalos da BR-101 no Estado. Mas, como há 80 anos, a cena volta a se repetir nas águas do Canal das Laranjeiras. Ao lado das duas pontes, os pilares de uma nova megaestrutura surgem a passos rápidos, erguendo a futura Ponte Anita Garibaldi. Às vezes, Otília senta com Terezinha na varanda e, juntas, as duas assistem ao vaivém das balsas que dura o dia inteiro. É como se uma centena de anos passasse em um segundo: a moderna ponte desponta colossal a poucos metros de uma estrutura centenária e histórica, tombada pelo município. Lá dentro, um exército de 1,6 mil homens trabalha para edificar os mais de 2,8 quilômetros de extensão em formato estaiado, uma das mais belas estruturas de engenharia que existem hoje no mundo. Depois de concluída, será a segunda maior do gênero no Brasil. A obra chama tanto a atenção, que os empreiteiros responsáveis decidiram abrir os portões do canteiro de obras uma vez por mês para receber uma multidão de visitantes curiosos. As quase 50 vagas disponíveis a cada mês já estão esgotadas até outubro e a fila de espera não para de crescer. Há quem fale em “momento histórico” e compare a estrutura a “uma nova Hercílio Luz” no futuro. — Existem pontes impressionantes pelo mundo, mas é como se elas sempre estivessem lá. Nenhuma me instigou tanto quanto esta, que vi nascendo. É maravilhoso ver o que o homem é capaz de fazer — comenta o engenheiro colombiano Robinson Dueñas, 24 anos, que esteve na obra pela primeira vez na última semana.

Canteiro de obras repleto de lições

Uma vez por mês, 50 pessoas se misturam aos quase 1,6 mil funcionários que trabalham dia e noite para erguer a maior ponte de Santa Catarina. São engenheiros, arquitetos, estudantes e curiosos de toda a parte que querem conhecer de perto o que há de tão particular na construção: quem, afinal, não se sente atraído pelo nascimento de um novo cartão-postal? O canteiro de obras, porém, não abre as portas só para os curiosos. Na semana passada, 26 trainees, contratados pela empreiteira líder do Consórcio Ponte de Laguna, a Camargo Corrêa, enfrentaram cinco dias de aula prática no local. De todos trabalhos da empresa no mundo, a Ponte Anita Garibaldi foi a escolhida para fazê-los entender e conhecer a rotina de uma obra que nunca para. Nenhum deles trabalhará nesse projeto, mas só lá poderão adquirir lições que não receberiam em outros lugares. — É muita coisa acontecendo ao mesmo tempo: como se perfura uma estaca no fundo da lagoa, como fazer para edificá-la, como montar estruturas que pesam 500 toneladas e levá-las para ficarem suspensas em alto-mar. Isso tudo é muito atrativo, com impacto muito grande e cria muita expectativa — admite Robinson, que se prepara para assumir a produção da hidrelétrica de Ituango, a maior da Colômbia. Separados em três grupos de trabalho, eles visitaram desde o canteiro de obras em terra, onde o processo começa, até os trabalhos em mar. De uma outra frente, quatro jovens acompanharam o planejamento executivo. São engenheiros que ficarão responsáveis por organizar cada etapa de uma construção, desde o tempo necessário, até o tipo de equipamento a ser usado.

Disponível em: http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc. Acesso em 01/02/2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário