sábado, 19 de agosto de 2017

O sofisticado nepotismo das universidades brasileiras

Quando recebeu o título de professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), em 1997, o geógrafo Milton Santos pronunciou um discurso intitulado O intelectual e a universidade estagnada. Nessa intervenção, indagando-se sobre as possibilidades de produção adequada de conhecimento num mundo em constante mudança, questionou:
Como fazê-lo no Brasil, onde a vida intelectual está organizada em torno de clubes, de clãs e do enturmamento, sendo às vezes mais útil passar as noites em reuniões com os colegas que mandam, do que queimar as pestanas, como antigamente se dizia, em frente dos livros.

Santos aponta para um fenômeno bastante comum na paisagem universitária nacional, a saber: a endogamia. Formam-se grupos de poder e de influência entre os membros da comunidade acadêmica, os quais aparelham e capturam as instituições, mandando, desmandando e ditando seus rumos e perpetuando-se nas posições de chefia. Nesses casos, como disse o geógrafo, vale mais a pena investir o tempo em cópulas sociais – quando não físicas – com colegas influentes do que em estudos, pesquisas e publicações.

Outro aspecto dessa formação de panelinhas é a endogenia: a produção das futuras gerações acadêmicas no interior da própria universidade, sem muito espaço para influências externas. Isso está bem documentado por uma pesquisa do departamento de ciência da computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) sobre circulação de pesquisadores no Brasil. Analisando cerca de seis mil pesquisadores brasileiros, o grupo observou que apenas 20% (um quinto do total, portanto) constroem suas carreiras profissionais a mais de quinhentos quilômetros (500km) de onde fizeram sua formação universitária. A avassaladora maioria permanece nos entornos de sua alma mater, o que facilita – geograficamente, inclusive – a perpetuação de esferas de influência.

O efeito mais pernicioso dessa estrutura de reprodução endogâmica e endogênica é o engessamento e a falta de circulação – não só de pessoas, mas de ideias. Gerações atuais costumam repetir ou, na melhor das hipóteses, reformular os trabalhos realizados por seus orientadores e orientadoras e, consequentemente, treinar gerações futuras para seguir na mesma toada: a repetição da repetição, ad nauseam. Ora, a força das universidades e da vida acadêmica reside precisamente em sua capacidade de abertura a novas ideias. Sem ela, é impossível à universidade realizar sua tarefa mais vital, da qual sua sobrevivência depende estritamente, como bem apontou Santos:

A universidade, aliás, é, talvez, a única instituição que pode sobreviver apenas se aceitar críticas, de dentro dela própria, de uma ou outra forma. Se a universidade pede aos seus participantes que calem, ela está se condenando ao silêncio, isto é, à morte, pois seu destino é falar. A fidelidade reclamada não pode ser à universidade, e a ela não temos razão para ser fiéis. Nossa única fidelidade é com a ideia de universidade. E é a partir da ideia sempre renovada de universidade que julgamos as universidades concretas e sugerimos mudanças.

Pois bem, embora não se configurem estritamente como casos de nepotismo – o favorecimento de parentes na nomeação de cargos – porque não se tratam de relações consanguíneas, há de se convir que a atuação de padrinhos e madrinhas acadêmicos é decisiva na construção de carreiras na universidade. Além de impedir a renovação científica, intelectual e crítica das instituições, pressupostos de seu fortalecimento, essa prática – que não é exclusivamente brasileira – provoca distorções quanto à primazia da qualidade acadêmica ou promoção de certa meritocracia.

Para além de razões culturais, antropológicas e sociológicas que invocam traços da formação brasileira como compadrio e cordialidade, uma das causas desse fenômeno está na própria estrutura de carreira das universidades brasileiras, especialmente as públicas. Uma vez aprovado(a) no concurso, o(a) docente adquire estabilidade no cargo após um período de experiência de alguns anos – normalmente três. Assim, ele ou ela só mudará de instituição para se transferir para outra de maior prestígio. Nas melhores universidades do país, isso raramente acontece.

Como combater esse problema? Engana-se quem pensa que a solução esteja na extinção da estabilidade. Países anglófonos, como Estados Unidos, Inglaterra e Austrália, por exemplo, concedem estabilidade a uma parcela cada vez menor de docentes, o que gera uma massa de profissionais com contratos temporários instáveis e precários, sobrecarregados por obrigações e impossibilitados de desenvolver pesquisas de médio-longo prazo – o que, irônica e paradoxalmente, lhes qualificaria para postos permanentes. Países como Alemanha, França e Itália têm soluções locais para promover algum grau de circulação em seus sistemas universitários, mas essas costumam estar intimamente ligadas à história e à constituição desses.

Não é necessário, entretanto, importar soluções. Um caminho se encontra disponível no Brasil, nas carreiras jurídicas, por exemplo. Carreiras federais são organizadas nacionalmente, e os ingressantes distribuídos pelas diversas Unidades da Federação de acordo com a demanda e disponibilidade de vagas de cada uma delas (exemplo: Ministério Público Federal). Ao longo da carreira, a cada x anos, o(a) profissional pode optar por se transferir para outra localidade – novamente de acordo com a demanda e a disponibilidade de vagas. O mesmo acontece em esfera estadual (exemplo: magistratura estadual). Isso tudo sem prejuízo da estabilidade no cargo.

Por que não tentar algo semelhante na carreira acadêmica? Docentes e pesquisadores poderiam prestar concursos federais e estaduais, após cuja aprovação seriam alocados nas instituições que carecessem de profissionais. Alguns anos depois, poderiam solicitar transferência para outras, se for de seu interesse.

Naturalmente, não se trata de uma solução perfeita. Ela não impede a captura de bancas de concursos por grupos de influência e distorções sistêmicas. No entanto, já é mais do que se tem feito hoje para combater esse grave problema: nada. Dado o que está em jogo, vale a aposta.

Rafael Barros de Oliveira - Colaborador do Terraço Econômico

Disponível em: http://terracoeconomico.com.br/o-sofisticado-nepotismo-das-universidades-brasileiras. Acesso em 19/08/2017

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

7 princípios da educação finlandesa – a melhor do mundo


Prepará-los para as provas ou para a vida. A Finlândia escolheu a segunda opção. A terra do Papai Noel e das boas escolas. Esta é a Finlândia. Há pouco tempo, parte de nossa equipe esteve por lá para ver com seus próprios olhos como funciona o sistema educacional, considerado um dos melhores do mundo. Sem preguiça, nem perder tempo, reuniram o maior número de informações a respeito. O que descobriram deixou a todos nós, no Incrivel.club, boquiabertos. Eis os fatos:


Segundo pesquisas internacionais realizadas pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), três vezes ao ano as escolas finlandesas apresentam os índices de desempenho mais altos do mundo. Seus alunos (que são os que mais leem no planeta) ocuparam o segundo lugar em ciências naturais e o quinto em matemática. Porém, o que mais surpreende a comunidade pedagógica não é isso, mas sim que os alunos finlandeses são os que, por dia, passam menos tempo estudando.

O ensino básico na Finlândia possui dois níveis:
— Primário (alokoulu), da 1ª à 6ª série
— Secundário (yläkoulu), da 7ª à 9ª série

Há ainda uma 10ª série complementar na qual os alunos podem melhorar suas qualificações, depois da qual eles vão ou para escolas técnicas ou continuar seus estudos nos liceus (lukio) — que são um tipo de escolas preparatórias.

Os 7 princípios da etapa média da educação finlandesa:

1. Igualdade

… das escolas: Lá não existe isso de ’escola de elite’. A maior das escolas acolhe 960 alunos, e a menor, 11, mas todas possuem as mesmas qualidades, recursos e financiamento, proporcionalmente ao seu tamanho. Quase todas as escolas são estatais, embora meia-dúzia delas sejam em parte privadas. O diferencial dessas escolas particulares, além das mensalidades, é que os alunos levam um ritmo mais pesado; em geral são colégios de formação especial que seguem modelos pedagógicos específicos: o de Montessori, de Freinet, de Morton ou de Waldorf. Escolas de idiomas, como de inglês, francês e alemão, também são particulares.

E, seguindo esse mesmo princípio de igualdade, na Finlândia existe um sistema paralelo de ensino da língua finlandesa que vai do jardim da infância à universidade. E também, no norte do país, na Lapônia, onde vive o povo lapão (e o Papai Noel), há o ensino de seu idioma nativo.

Antes, os finlandeses eram proibidos de escolher em qual escola seus filhos deveriam estudar e tinham de levá-los à que estivesse mais perto de casa. Hoje se revogou essa proibição, mas a maioria dos pais continua levando seus filhos nas escolas que ficam em seus bairros, já que todas são igualmente boas.

… de todas as matérias: Se especializar numa matéria em detrimento das outras não é algo bem visto. Por exemplo, lá ninguém pensa que matemática é mais importante do que educação artística. Pelo contrário: alunos com queda para o desenho, para a música ou para os esportes são o critério para a formação de classes especiais.

… dos pais: A profissão ou status social dos pais dos alunos são informações que os professores ficarão sabendo apenas se for necessário. Eles são proibidos de perguntar aos alunos qualquer coisa nesse sentido.

… dos alunos: Os finlandeses não classificam os alunos segundo suas capacidades ou aspirações profissionais, tampouco há alunos ’bons’ e ’maus’. É proibido fazer comparações entre alunos. Tanto os alunos mais inteligentes quanto os que têm dificuldade para aprender estão misturados aos demais, inclusive aqueles com deficiências físicas, apesar de que podem ser formadas classes especiais para alunos com deficiência visual ou auditiva. Os finlandeses tentam ao máximo integrar à sociedade aquelas pessoas que necessitam de atenção especial; a diferença de desempenho entre os alunos finlandeses é a menor do mundo!

… dos professores: Não há professores favoritos ou odiados, nem os professores têm alunos ou classes favoritas. Qualquer desvio dessa harmonia estabelecida é passível de anulação do contrato do professor. Os professores finlandeses têm o dever de cumprir na íntegra o que se espera de seu trabalho, nem mais nem menos, além do que, todos se consideram igualmente importantes na sala de professores. Por exemplo, os professores de física, de artes, de literatura são igualmente estimados.

… de direitos entre adultos e crianças: Os finlandeses chamam isso de ’tratamento respeitoso aos alunos’. Desde a primeira série são explicados aos alunos os seus direitos, inclusive o direito de prestar queixa de algum adulto a um assistente social. Isso estimula os pais a entenderem que seus filhos são indivíduos independentes, e que as pessoas são não podem ofende-las com palavras ou com violência física. Humilhar os alunos é outra coisa que os professores são proibidos de fazer, mesmo que lá as leis trabalhistas lhes permitam fazê-lo. A peculiaridade mais notória é que cada professor é contratado por apenas um ano, havendo possibilidade de se renovar ou não esse contrato. E além de tudo, professores auxiliares recebem um salário de 2500 euros, e os titulares, de 5000 euros.

2. Gratuidade

Além da educação, também são gratuitos: As refeições; As visitas a museus e atividades extra-classe; O transporte que leva e traz os alunos se a escola estiver a mais de dois quilômetros de suas casas; Todos os livros didáticos e material escolar, como calculadoras, computadores individuais e tablets.
É proibido cobrar qualquer taxa dos pais!

3. Individualidade

Para cada aluno se estipula um plano individual de estudo e desenvolvimento. Essa individualização tem a ver com o conteúdo dos livros didáticos, dos exercícios, quantidade de deveres de classe, de casa etc, e com o tempo com que se planeja realizá-los. O mesmo ocorre com o material que os professores proveem: quais alunos recebem o conteúdo mais complexo e quais os mais simples.

Na mesma aula os alunos realizam exercícios de diferentes níveis de dificuldade e a nota final varia de acordo com as diferentes capacidades de cada um. Se hoje, por exemplo, um aluno consegue fazer os exercícios básicos satisfatoriamente, amanhã lhe será dado um exercício mais complexo. Se ele não conseguir, não tem problema… serão dados exercícios com o nível de dificuldade de ontem.

Nas escolas finlandesas, além da formação-padrão, há duas peculiaridades no processo educativo: Apoio acadêmico aos alunos retardatários — o que em muitos países seria o papel de um professor particular. Na Finlândia os professores particulares são muito raros, uma vez que que os professores titulares nas escolas já ajudam seus alunos voluntariamente, durante ou depois das aulas.

Educação ’corretiva’ — Está relacionada aos problemas de compreensão do material didático escrito na língua suomi, que é falada em grande parte das escolas da Finlândia. Também serve para atender problemas de memória, dificuldades com matemática ou o comportamento antissocial de alguns alunos. A educação ’corretiva’ é conduzida em grupos pequenos ou individualmente.

4. Educação Prática

Os finlandeses dizem: "É possível prepará-los ou para as provas ou para a vida. Escolhemos a segunda opção". É por isso que não se dá provas nas escolas da Finlândia, apesar de que, se o professor quiser, ele pode fazer exames de controle. Só existe uma prova obrigatória, no fim do período médio, mas ela pouco influi na avaliação feita pelos professores, nem afeta a nota final dos alunos. E o mais interessante é que os alunos não são preparados para essa prova; eles a farão usando tudo o que aprenderam até então. Nada de passar um mês antes da prova estudando em desespero!

Na escola só se ensina o que pode vir a ser útil na vida. Saber como funciona a caldeira da metalúrgica não tem utilidade. Agora, os alunos finlandeses desde criança sabem o que é um portfólio, um contrato, um talão de cheques, sabem calcular a porcentagem do imposto sobre heranças ou a renda pessoal, como criar um site, como calcular descontos em produtos, desenhar a Rosa dos Ventos e localizar o lugar onde vivem etc…

5. Confiança

Primeiro, não se supervisiona o trabalho de funcionários e professores, nem lhes é dito como devem trabalhar ou como e o que devem ensinar. Existe um sistema centralizado de educação no país, mas ele só propõe um alinhamento básico e recomendações superficiais. Assim, cada pedagogo aplica a seus alunos o método de ensino que lhe parecer melhor.

Segundo, a confiança nos alunos: durante as aulas é permitido fazer qualquer coisa. Se, por exemplo, durante a aula de literatura apresentam um vídeo educativo, e um aluno não estiver interessado, ele pode ir ler um livro se quiser. Há a percepção de que é a própria pessoa quem deve escolher o que é importante para sua vida.

6. Voluntarismo

Estuda quem quiser estudar. Os professores tentarão atrair a atenção dos alunos, mas, se algum não quiser prestar atenção, não tiver interesse ou não for capaz de entender a aula, será orientado depois a que busque por uma profissão prática, porém útil. Um trabalho fácil. A ideia é não ficar recheando o boletim do aluno com zeros e pontos negativos. Claro… saber construir aviões e usinas nucleares não é para todos… alguém vai ter de ser um bom motorista de ônibus!

Tendo isso em mente, os finlandeses dão valor também à escola secundária e técnica: deve-se saber se vale mesmo a pena um aluno continuar o estudo acadêmico num liceu ou se ele deve continuar os estudos na secundária, e é aí que se recorre às escolas técnicas. Na Finlândia ambas as opções são honoráveis.

As aptidões de cada aluno são avaliadas por meio de exames e de consultas com orientadores vocacionais nas escolas.
À primeira vista, o sistema educacional finlandês parece suave e delicado, mas isso não quer dizer que não seja sério. Por exemplo, existe um rígido controle do horário de aulas, todas as faltas devem ser ’repostas’. Se um aluno da 6ª série faltar à aula, seu professor tentará encaixá-lo em algum outro horário de outra turma da 6ª série, para que este reponha a aula… como se lhe dissessem: «Sente aí e repense sua vida». E se esse aluno começar a perturbar os colegas na aula de reposição, o tempo que passou ali deixará de ser contado; se ele não quiser fazer os exercícios na aula de reposição, ninguém vai chamar os pais, nem ameaçá-lo, repreendê-lo, gritar com ele… nada disso. Já que os pais desse aluno são descuidados com a educação doméstica de seu filho ou filha, o que vai acontecer é uma reprovação no fim do ano. Simples!

E repetir de ano na Finlândia não é nenhuma vergonha, especialmente depois da 9ª série, pois é necessária uma preparação séria para a vida adulta e por isso mesmo é que as escolas lá têm a 10ª série — que, como dissemos no início, é opcional.

7. Independência

Os finlandeses acreditam que a escola deve ensinar ao aluno algo muito importante: ter uma vida independente no futuro! Por isso se ensina a pensar e a adquirir conhecimento por conta própria. Os professores não precisam anunciar os temas de estudo já que tudo está escrito nos livros didáticos. Não é importante decorar fórmulas, mas sim saber procurar nas bibliografias, na Internet, usar a calculadora, ou seja, deixar à disposição dos alunos os recursos necessários para que aprendam a solucionar seus próprios problemas.

E outra coisa… os pedagogos nas escolas não interferem nos conflitos entre alunos, dando-lhes assim a oportunidade de prepararem para as diferentes situações da vida e de desenvolverem sua capacidade de se defenderem corretamente.

Disponível em www.geografia news.com.br. Acesso em 14/08/2014