segunda-feira, 4 de junho de 2012

MODERNIZAÇÃO ECONÔMICA NO MUNICÍPIO DE TIJUCAS (SC): O PAPEL DO GRUPO USATI-PORTOBELLO


RODRIGO ALVES DE BRITO
Bacharel e Licenciado em Geografia
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo analisar as transformações sócio-espaciais ocorridas no município de Tijucas decorrentes do processo de modernização econômica desencadeado pelo Grupo USATI-PORTOBELLO. O artigo em questão foi elaborado a partir da monografia com o mesmo título onde para o seu desenvolvimento primeiramente foi realizada uma análise empírica e posteriormente uma pesquisa bibliográfica, além de coleta de dados junto aos principais institutos de pesquisas. A análise inicia na década de 70 com a constituição do Complexo Agroindustrial açucareiro que provocou a reorganização no uso do espaço agrário representando uma modernização da atividade canavieira onde o capital acumulado com a produção de açúcar permitiu ao grupo diversificar a atuação com a implantação da Cerâmica Portobello que representou uma modernização das técnicas da indústria de transformação de minerais não-metálicos desenvolvidas no município até então assentadas no ramo da cerâmica vermelha dinamizando as atividades urbanas ligadas ao comércio e prestação de serviços provocando o crescimento urbano do município, onde o município passa a ter duas vidas de desenvolvimento. O Complexo Agroindustrial açucareiro foi desativado em 1989, mas o Grupo USATI-PORTOBELLO continuou dominando o espaço urbano através da Cerâmica Portobello que foi ampliando a produção e o número de trabalhadores a cada ano.

Palavras-Chaves: Modernização Econômica; Formação Sócio-espacial; Transformações sócio-espaciais; Grupo USATI-PORTOBELLO.
 
INTRODUÇÃO

O município de Tijucas vem crescendo significativamente nas ultimas décadas, tanto no que se refere ao crescimento populacional quanto econômico, onde o setor secundário e o terciário se tornam cada vez mais dinâmicos e predominantes, típico de uma sociedade moderna. No município o processo de modernização teve início em meados da década de 60 com a modernização da agricultura criando as condições para que na década seguinte fosse constituído o Complexo Agroindustrial açucareiro sendo que posteriormente tal processo foi aprofundado com a instalação da Cerâmica Portobello.
Diante desse quadro surgiram algumas indagações, tais como: Que lugar coube à formação sócio-espacial no processo de modernização? Quais foram os principais agentes envolvidos? Quais foram os efeitos da modernização na reorganização sócio-espacial do município? A hipótese é que o principal agente de modernização tenha sido o Grupo USATI-PORTOBELLO com a constituição do Complexo Agroindustrial açucareiro e a instalação da Cerâmica Portobello, onde ambos vieram a representar uma modernização das técnicas desenvolvidas no território provocando desta forma a reorganização do espaço.
Este trabalho tem como objetivo geral: analisar as transformações sócio-espaciais ocorridas no município de Tijucas decorrentes do processo de modernização econômica desencadeado pelo Grupo USATI-PORTOBELLO. O artigo em questão foi elaborado a partir da monografia[1] com o mesmo título onde para o seu desenvolvimento primeiramente foi realizada uma análise empírica do município quanto ao crescimento urbano, organização espacial, dinâmica econômica e posteriormente foi realizada uma pesquisa sobre a produção acadêmica que tratasse sobre as transformações sócio-espaciais ocorridas no município de Tijucas e os referenciais teóricos sobre o conceito de modernização com base na Sociologia, Economia e sobre a perspectiva geográfica os estudos de Milton Santos.
Também foi realizada uma ampla pesquisa bibliográfica sobre o município de Tijucas, aspectos geográficos, formação com o início do povoamento e a evolução econômica, além de coleta de dados junto aos principais institutos de pesquisas como IBGE, IPEA, além de sítios oficiais como do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), Secretaria Estadual de Planejamento, Prefeitura Municipal de Tijucas e da própria Cerâmica Portobello.
O município de Tijucas passou por diferentes fases de desenvolvimento onde a partir de meados da década de 60, com o processo de modernização da agricultura, sobretudo da atividade canavieira onde na década seguinte veio a ser constituído o Complexo Agroindustrial Açucareiro que provocou uma significativa reorganização no uso do espaço agrário. No processo de consolidação do CAI açucareiro e com o capital acumulado o Grupo USATI-PORTOBELLO diversifica suas atividades instalando uma indústria de revestimentos cerâmicos no final da mesma década, apostando nesse setor devido o aumento da demanda interna com o crescimento urbano acelerado. 
Neste contexto, ocorreram transformações sócio-espaciais no município de Tijucas com o processo de modernização econômica acelerando o processo de urbanização, onde passaram a existir duas vias de desenvolvimento, com a agroindústria açucareira e com a indústria cerâmica de revestimentos. Em 1989, devido à extinção do IAA no ano anterior, o grupo desativa a Usina de Açúcar Tijucas S/A e a refinaria localizada no município de São João Batista provocando a dissolução do CAI açucareiro e da atividade canavieira na sua área de influência. Já a Cerâmica Portobello foi modernizada, sendo que no decorrer dos anos a ampliação da produção e do número de trabalhadores, bem como a diversificação dos produtos foi uma constante.

ASPECTOS GEOGRÁFICOS, FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO ECONÔMICA NO MUNICÍPIO DE TIJUCAS.

O município de Tijucas está situado no litoral central do Estado de Santa Catarina, a 45 km da capital, fazendo parte da Mesorregião da Grande Florianópolis conforme divisão adotada pelo IBGE. O município compreende uma área de 276,62 km2 representando 0,29 % da superfície do Estado[2]. É banhado pelo Oceano Atlântico[3] e cortado pelo Rio Tijucas tendo estes dois fatores naturais favorecido muito a economia no passado, onde foi destaque o escoamento dos produtos agrícolas de outras localidades do interior do vale pelo rio até a foz assumindo a navegação de cabotagem grande importância.
O município tem um relevo em forma de vale por onde corre o Rio Tijucas e seus afluentes formando a Bacia Hidrográfica do Rio Tijucas que compreende uma área de 2.420 km2 integrando o sistema de drenagem da Vertente do Atlântico. O Rio Tijucas, principal componente desta bacia, apresenta em seu curso superior um perfil acidentado, conseqüência da topografia movimentada e elevada e no curso inferior forma uma extensa planície onde o rio descreve grandes meandros. Esta área de planície possui solos de fecundidade adequada à cultura extensiva da cana-de-açúcar, arroz, além de outras culturas alimentares (SANTA CATARINA, 1991).
            Os aspectos geográficos conferiram ao município de Tijucas uma situação em que permitiu a ocupação da vasta planície do Vale do Rio Tijucas, possibilitando a população desenvolver diversas atividades econômicas, inicialmente ligadas ao setor primário assumindo o comércio grande importância devido à presença do porto. Mais tarde a indústria cerâmica, a extração mineral e a agroindústria canavieira assumiram importância aproveitando os recursos da região com a presença da argila que permitiu a instalação de várias olarias e o cultivo de vastas plantações de cana-de-açúcar por todo o Vale do Rio Tijucas.
  É no século XVII que começam as primeiras expedições de povoamento em direção ao Sul do Brasil. Uma segunda fase da ocupação territorial ocorreria no século XVIII, como resposta a crise do comércio ultramarino português, onde o litoral catarinense passa a fazer parte mais efetiva do interesse político econômico da metrópole onde também houve um reforço militar da costa catarinense com a criação da Capitania de Santa Catarina em 1738, obrigando a vinda de todo um corpo militar e civil (CAMPOS, 1991).
Em 1748 chegam às primeiras levas de açorianos e madeirenses para povoarem a região. O objetivo da coroa com isso era utilizá-los para desenvolver a região e ter um exército para uma eventual defesa. No litoral de Santa Catarina, após a vinda dos açorianos, desenvolveu-se a pequena produção mercantil, com base na pequena propriedade, diferentemente do restante do Brasil onde predominava o latifúndio com a plantação de monoculturas voltadas para a exportação e assentadas na mão-de-obra escrava. (CAMPOS, 1991).
O início do povoamento do Vale do Rio Tijucas data de 1775 quando foi fundada uma povoação na Enseada das Garoupas, hoje Porto Belo, pelo Coronel Pedro Antônio da Gama Freitas que passou a distribuir moradores naquele local e também nos territórios vizinhos como Camboriu, Bombas, Zimbros, Ganchos e Tijucas, onde foram estabelecidos 60 casais (BOITEUX, 1928 apud ROUVER, 1988).
A ocupação da Foz do Rio Tijucas ocorreu na margem esquerda por ser a margem mais alta, constituindo a preferência dos primeiros moradores e a tendência a expansão da ocupação urbana evitando-se desta forma os terrenos mais baixos e sujeitos aos alagamentos e com difíceis condições de drenagem pela proximidade do lençol freático, situados na margem direita, próximo a foz, impróprias para a ocupação urbana.
Em Tijucas as terras foram exploradas em minifúndios, utilizando a mão-de-obra escrava nos engenhos, na exploração agrícola e madeireira, sendo grande o contingente de escravos, perdendo apenas para Desterro, Laguna, São Francisco, Lages e São José. No ano de 1856 Leonce Aube registrou que no Alto Tijucas existiam 112 escravos e na Foz do Tijucas 810 (ROUVER, 1988).
Em meados do século XIX iniciou outro processo de colonização em Santa Catarina para preencher os vazios demográficos e pelo fato da economia se encontrar estagnada. Foi dado início à colonização em regiões previamente escolhidas e as imigrações foram estimuladas ora pela política oficial, ora por companhias particulares, chegando ao território catarinense imigrantes alemães, italianos, além de outras nacionalidades, sendo que alguns deles vieram residir no município de Tijucas.
A movimentação no porto dos produtos oriundos do interior fez com que o povoado de São Sebastião do Tijucas se desenvolvesse sendo elevada a condição de freguesia sendo denominada então de São Sebastião da Foz do Tijucas Grande. Em 13 de junho de 1860 é lavrado o auto de remoção e instalação da Câmara Municipal passando o município a se chamar São Sebastião de Tijucas, que faria parte as freguesias de São João do Alto Tijucas e de Porto Belo, além das localidades de Canelinha, Major Gercino, Nova Trento e Leoberto Leal.
No ano de 1897 foi fundada a Usina de Açúcar São Sebastião pelo Desembargador Antero Francisco de Assis, na localidade da Índia, atual município de Canelinha, tendo sido a segunda fábrica do gênero instalada no estado, sendo que a primeira havia sido instalada em Joinville. A cana-de-açúcar era cultivada nos próprios terrenos da usina, mas como a cana-de-açúcar plantada era insuficiente os agricultores vizinhos passaram a vender a cana-de-açúcar para a usina (ROUVER, 1988).
No final do século XIX e início do século XX, a produção agrícola do município de Tijucas supria um comércio bastante desenvolvido. No meio urbano do município o comércio era dominado por firmas como Gallotti, Bayer, Werner, Laus e Cherem que monopolizavam o comércio, influenciando a economia local e dominado a política (CORRÊA, 1996).
 As duas primeiras firmas sobressaíram-se por serem também proprietárias de barcos, que foram adquiridos em 1901 pelos coronéis Benjamim Gallotti e João Bayer, dando início a Marinha Mercante de Tijucas. Favorecida pela sua posição geográfica, o município de São Sebastião de Tijucas funcionou como porto de escoamento da produção do interior do Vale, ao mesmo tempo em que recebia produtos de outros municípios e distribuía no interior vinculando-se ao comércio de importação-exportação que se desenvolvia no litoral de Santa Catarina onde a economia do Vale girava predominantemente em torno do porto (GOMES; BAYER, 2000).
Foi a partir do século XX, com a presença abundante de argila na região, que foram sendo instaladas cerâmicas vermelhas por todo o Vale do Rio Tijucas sempre construídas em terrenos onde a matéria-prima aflorava para facilitar a extração e o transporte. O primeiro documento a dar informações sobre a implantação de cerâmicas no Vale do Rio Tijucas, datado de 1900, pertenceu a Joaquim José de Sant’Ana, localizava-se no Moura, atual município de Canelinha. A instalação de cerâmicas no Vale do Rio Tijucas se deu pelos conhecimentos técnicos trazidos pelos imigrantes europeus e, sobretudo pela abundância de argila aflorante as margens do Rio Tijucas (ROUVER, 1988).
Mesmo com todo o desempenho econômico apresentado pelo município, tanto no meio rural com uma produção agrícola diversificada quanto no meio urbano com o comércio de importação-exportação e a presença de diversas indústrias, desde o início da década de trinta o meio rural, com um número expressivo de engenhos de açúcar mascavo, vinha sendo atingido pela política do IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool)[4] que para regulamentar a produção açucareira no país, estabeleceu preços, quotas e registros de produção para a cobrança de impostos, atingindo duramente os produtores de cana-de-açúcar (CORRÊA, 1996).
Em 1939, pelo Decreto Lei nº 1546 de 29/08/1939, nos estados em que a produção fosse inferior a 100 mil sacas de açúcar anuais poderiam ser instaladas novas usinas onde foi fixada a cota de produção em 50.000 sacas por ano somente para usinas que se organizassem sob forma de cooperativas ou cuja matéria-prima (90%) fosse originária de fornecedores independentes (CORRÊA, 1996).
O município tinha forte tradição agrícola e a cana-de-açúcar era a cultura mais representativa desde o início da ocupação. A cultura canavieira e a industrialização do açúcar foram iniciadas com os açorianos que cultivaram a cana e construíram engenhos rudimentares para a produção de melado e açúcar mascavo, além de alambiques para a produção de aguardente (CORRÊA, 1996).
O município de Tijucas, embora apresentasse dificuldades na produção de açúcar devido à regulação pelo IAA, tinha uma agricultura diversificada, vivenciando um período de expansão no meio urbano até que em 1940 veio a sofrer um grande impacto na sua economia. Com o Decreto nº 5.758 de 11/06/1940, baixado pelo Governo Federal, que regulamentou as capitanias e portos, foi posto fim a navegação de cabotagem no município de Tijucas. O decreto dispunha sobre o efetivo das tripulações dos navios. Seu numerário era tão elevado que se tornou anti-econômico, inviabilizando o funcionamento da maioria dos pequenos portos em Santa Catarina (CORRÊA, 1996).
Com as dificuldades enfrentadas no meio rural devido às exigências do IAA que afetavam diretamente a sobrevivência da população rural que se dedicava aos engenhos de açúcar e o fim do porto afetando diretamente o comércio de produtos agrícolas o município veio a passar por um período de estagnação onde várias pessoas sairiam do município em busca de trabalho. No início dos anos 40 com a estagnação vivenciada pelo município de Tijucas despertou a preocupação do líder político Sr. Valério Gomes que administrava a prefeitura nesse período (1938-1941).
No ano de 1941 foi instituído o Estatuto da Lavoura Canavieira (Decreto-Lei nº 3.855 de 21/11/1941) que estabeleceu cotas diferenciadas para usinas e engenhos estabelecendo um conjunto de normas de proteção ao fornecedor de cana-de-açúcar para as usinas. Com a instituição desse estatuto o contexto do município se tornou favorável à instalação de uma usina de açúcar, pois atendia às exigências do Decreto-Lei nº 1546 de 29/08/1939 e do recém instituído Estatuto da Lavoura Canavieira, para a instalação de novas unidades industriais. Diante disso, o Sr. Valério Gomes, juntamente com outros empresários locais, preocupados com a decadência do município e diante da oportunidade tiveram a idéia de implantar uma usina para produzir açúcar (CORRÊA, 1996).
Com a união das cotas de produção de açúcar e as condições materiais possibilitada pelas políticas governamentais em relação à produção canavieira em 1944 foi fundada a Usina de Açúcar Tijucas S/A sendo que o distrito de São João Batista foi escolhido para instalação da agroindústria açucareira, por ser na época um dos maiores produtores de cana-de-açúcar da região e com o maior número de engenhos. As atividades foram iniciadas em 1946 produzindo 6.000 sacas de 50 kg de açúcar cristal. A instalação da Usina de Açúcar Tijucas S/A constitui um marco histórico para o município provocando o desaparecimento dos antigos engenhos artesanais, pois a usina absorveu a produção local do açúcar por ter adquirido as cotas de produção dos proprietários de engenhos (CORRÊA, 1996).
A Usina de Açúcar Tijucas S/A passou por muitas crises devido à concorrência com o açúcar nordestino, a sazonalidade da cultura que permitia o funcionamento apenas seis meses por ano, desastres naturais que afetavam o fornecimento de cana como geadas e enchentes, quebra do maquinário, além da desistência de alguns fornecedores de cana que optaram por outras culturas alimentares que apresentavam maiores rendimentos. No ano de 1956 a Usina de Açúcar Tijucas S/A adquiriu a Usina de Açúcar Adelaide S/A localizada em Ilhota, então as duas maiores agroindústrias açucareiras de Santa Catarina (CORRÊA, 1996).
No final da década de 50 e início da década de 60 o município de Tijucas perdeu grande parte do seu território com o desmembramento do distrito de São João Batista em 1958 transformado em município ficando como seu distrito Major Gercino. Este fato é importante para o município, pois além de perder parte do seu território também significou que a usina não pertencia mais a Tijucas. Em 1962 foi a vez do desmembramento do atual município de Canelinha.
Na década de 60 o Brasil passou a participar intensamente do comércio mundial de açúcar devido a Revolução Cubana que interrompeu o comércio de açúcar com os Estados Unidos favorecendo a produção brasileira que ampliou suas exportações. Nessa conjuntura, em 1962 o IAA firmou convênio com o Banco do Brasil para financiar projetos que visassem melhorar as terras produtoras de cana para garantir um abastecimento regular da agroindústria. A Usina de Açúcar Tijucas S/A, embora suprisse somente o mercado da Região Sul, se beneficiou com a nova política governamental (CORRÊA, 1996).
Com as facilidades de financiamento, para melhor atender as questões de ordem administrativa das Usinas de Açúcar Tijucas e Adelaide, em 1964 foi instalada a holding[5] em Florianópolis. Na sua área de influência os financiamentos foram utilizados para melhorar a produtividade canavieira tanto nas poucas unidades agrícolas da agroindústria como nas terras dos fornecedores adaptando um serviço de assistência visando reter o produtor para garantir o abastecimento, sendo que também organizou o transporte da produção com caminhões fretados (CORRÊA, 1996).
Foi a partir daí que o município de Tijucas, após a emancipação do Distrito de São João Batista, passa a fornecer cana-de-açúcar para a Usina sendo influenciado diretamente pela agroindústria. A cana-de-açúcar por ser um produto barato só era lucrativa se o raio de atuação fosse de 10 km, sendo que com o transporte fretado iria favorecer lugares mais distantes que então passaram a fornecer cana para a agroindústria. Em Tijucas já haviam produtores de fumo vinculados a agroindústria fumageira[6] que passaram a concorrer com a Usina de Açúcar Tijucas S/A na busca por produtores. Nos dois casos os agricultores eram subordinados onde a agroindústria, seja fumageira ou canavieira, fornecia os insumos (sementes, fertilizantes, inseticidas, etc) e a assistência técnica no processo denominado de integração.
Na década de 60 o município de Tijucas contava com 68% da população vivendo no campo, onde as atividades primárias assumiam papel de destaque na economia municipal. Porém na década seguinte 50,7% da população passaram a viver na cidade, o que demonstra uma tendência a urbanização, sendo que a construção civil já vinha crescendo em todo o Estado devido ao desenvolvimento dos pólos industriais de Blumenau e Joinville, além do crescimento populacional de Florianópolis estimulando o surgimento de novas indústrias cerâmicas em todo o Vale do Rio Tijucas.
Já no meio rural, com o aumento do preço do açúcar no mercado externo, a partir da década de 70 o IAA intensifica o planejamento do setor canavieiro adotando novas medidas políticas e econômicas criando o Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de-açúcar (PLANALSUCAR) e o Programa de Racionalização da Agroindústria Açucareira (1971) cujo objetivo principal era melhorar a qualidade da matéria-prima aliada a concentração e modernização industrial. As duas maiores agroindústrias de Santa Catarina, Tijucas e Adelaide visando ampliar a quota de produção para atingir a economia de escala e ser beneficiada pelo PLANALSUCAR adquiriram a Companhia Açucareira Biguaçu S/A e a Usina São Pedro (Gaspar) as quais foram incorporadas. Em 1971 ocorreu a fusão das agroindústrias Tijucas e Adelaide e se constituiu o Grupo USATI (CORRÊA, 1996).
A partir daí a cana-de-açúcar suprida pelos fornecedores tornou-se insuficiente aumentando a capacidade ociosa das unidades industriais. Em 1972 o grupo lança-se no mercado de terras visando expandir suas unidades produtivas para produzir a matéria-prima da qual era dependente. Em 1973 foi instalada uma refinaria junto a Usina de Açúcar Tijucas S/A, na qual passa a processar o açúcar demerara[7] proveniente do estado de São Paulo acabando com a ociosidade produtiva no período de entre safra. Nesse processo surgiu a Refinadora Catarinense que abandonou o mercado regional e por intermédio do IAA, seu único cliente, passou a exportar todo o açúcar produzido (CORRÊA, 1996).
O desenvolvimento da agroindústria açucareira, bem como das olarias, que passaram por um processo de crescimento e modernização, aliado a outras indústrias (doces, pescados, madeira) aceleraram o processo de urbanização do município e expansão do setor terciário, além de aumentar a demanda por moradia, provocando o crescimento urbano do município.

O PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO

Segundo o Dicionário de Sociologia (1987) a delimitação do conceito de modernização variou muito no decorrer no tempo, mas basicamente referiam-se aos processos de mudanças sociais com a passagem de uma sociedade rural para uma sociedade urbano-industrial, num processo de trânsito da tradição para a modernidade, acompanhando um processo de desenvolvimento econômico com conseqüências da emergência da urbanização e da industrialização.
O Novíssimo Dicionário de Economia (1999, p. 403-404) nos traz que a modernização é o “processo de mudança econômica, social e política pelo qual determinada sociedade supera estruturas tradicionais (de base rural), criando novas formas de produção, mecanismos racionais de dominação e novos padrões de comportamento”. São fenômenos característicos do processo de modernização econômica e social a urbanização e a industrialização, fatores estes que definem se um município, estado ou país estão se modernizando.
Na perspectiva geográfica temos os estudos de Santos (1994) que tratam sobre modernização e período técnico - cientifico - informacional. Segundo ele a humanidade passou por períodos até chegar ao denominado período técnico – científico - informacional onde o espaço rural e urbano são marcados na sua transformação pelo uso sistemático das contribuições da ciência e da técnica e por decisões que definem os usos em que cada fração do território vai ser destinada.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial com as atividades humanas dependendo da técnica e da ciência surgiu um novo período assim denominado de período técnico – cientifico. A partir dos anos 60, sobretudo a partir da década de 70, marcam uma nova fase, com a interdependência da ciência e técnica em todos os aspectos da vida social e que estabeleceram o processo de modernização pelo qual passou o país onde o Golpe de Estado de 1964 aparece como um marco, pois o regime criou as condições para integração do país e a sua internacionalização (SANTOS, 1994).

Modernização no Brasil e em Santa Catarina

A modernização brasileira aprofunda-se em meados da década de 50 com a industrialização pesada, a criação de vários centros de pesquisas básicas, a implantação de complexos petroquímicos ligados a Petrobrás e a consolidação de uma política nacional de crédito rural com a forte atuação do Estado. Nesta época o país já vivenciava uma tendência a urbanização e as bases da industrialização já eram alicerçadas com políticas voltadas ao seu desenvolvimento (GOULARTI FILHO, 2002).
Em 1955, com a posse de Juscelino Kubitschek, é dado início ao Plano Nacional de Desenvolvimento, conhecido como Plano de Metas, privilegiando os setores de energia, transporte, alimentação, indústria de base e educação. O capital estrangeiro é atraído pela ampliação dos serviços de infra-estrutura, como transporte e fornecimento de energia elétrica e instituições internacionais passam a financiar e promover treinamentos e assistência na área de planejamento econômico o que ensejará na modernização do país.
O nacional-desenvolvimentismo sob a influência da “era JK” chegará em Santa Catarina na década de 60, quando ocorre o primeiro passo para o desenvolvimento onde o governo foi desafiado a se modernizar para atender as exigências do modo de produção capitalista em que o capital industrial passou a ser o móvel da acumulação capitalista com a modernização da agricultura e com a mudança do complexo agrocomercial para o complexo agroindustrial (GOULARTI FILHO, 2002).
O processo de modernização do campo no Brasil e em Santa Catarina, com a chamada Revolução Verde, promove a substituição da agricultura tradicional por uma agricultura modernizada. Ainda na década de 60, as olarias produtoras de telhas e tijolos também modernizaram suas atividades produtivas com o uso de equipamentos e maquinários modernos, possibilitado pelo crédito devido ao processo de urbanização no pelo qual passava o Estado de Santa Catarina.

Modernização no município de Tijucas - Constituição do CAI açucareiro, instalação da Cerâmica Portobello e expansão urbana no município de Tijucas

No município de Tijucas é possível perceber a partir de 1965 o aumento na utilização de fertilizantes químicos e o uso cada vez maior de tratores no campo[8] que desencadearam um processo de modernização. Em 1960 havia 15 tratores no município de Tijucas e apenas 1,38% dos estabelecimentos usavam trator. Já em 1970 haviam 61 tratores e em 1980 (270), sendo que o emprego de trator nos estabelecimentos ampliou de 4,90% para 30,28%, respectivamente. Já o uso de fertilizantes químicos passou de 2,98% dos estabelecimentos em 1960 para 66,95% em 1985 e o uso de fertilizantes orgânicos passou de 5,13% para 71,37% no mesmo período. Já o uso de corretivos (calcário) e defensivos (animal) passaram a ser usados a partir de 1980 (CORRÊA, 1996).
Em meados da década de 70 com o processo de modernização da agricultura, com as condições materiais favoráveis será constituído o CAI açucareiro provocando a reorganização do espaço no município de Tijucas, com mudanças na base tecnológica, na estrutura fundiária, no uso da terra e nas relações de trabalho, com o avanço do capitalismo no campo, o uso intensivo da técnica e da ciência e o apoio do Estado, a atividade canavieira passa a ser desenvolvida em bases capitalistas modernas alcançando notável produtividade a partir de 1975 em função da utilização de insumos, maquinários modernos, diversificação de mudas e emprego de técnicas, além do grupo ter intensificado o serviço de assistência visando reter o fornecedor (CORRÊA, 1996).
Os canaviais expandiram-se por áreas novas como terras improdutivas, áreas antes exclusivas ao cultivo alimentares, avançando ainda por áreas de vegetação natural. A atividade canavieira em bases capitalistas provocou a desagregação familiar e a proletarização do trabalhador rural. A medida que foi adquirindo novas terras foram organizadas  novas unidades produtivas sob a forma de monocultura de cana em bases modernas, genericamente chamadas de fazendas, onde o emprego de mão-de-obra assalariada marcou em definitivo a expansão do capitalismo da atividade canavieira (CORRÊA, 1996).
No final da década de 70 o IAA passa a reduzir os investimentos para o setor canavieiro, sendo que desde o início da década as políticas governamentais também voltam-se para a produção industrial, onde o setor de revestimentos cerâmicos que já vinha sendo privilegiados pela política de financiamentos desde a década de sessenta tendo em vista a urbanização acelerada e a demanda crescente por produtos da construção civil, principalmente de revestimentos cerâmicos para atender a população de maior poder aquisitivo.
O grupo USATI-PORTOBELLO vislumbra neste contexto a oportunidade de instalar uma cerâmica de revestimentos no município, numa política de diversificação das atividades da holding. Em 1977 o Grupo USATI-PORTOBELLO, com o capital acumulado com a produção de açúcar e o crescimento acelerado da urbanização e, por conseguinte da construção civil no estado com o crescimento de cidades como Joinville, Blumenau e Florianópolis, bem como em todo o país com o aumento da demanda por revestimentos cerâmicos devido o processo de urbanização acelerado e também para ficar menos dependente da atividade canavieira que apresentava sinais de enfraquecimento, inicia a construção de uma indústria de revestimentos cerâmicos[9], a Cerâmica Portobello.
A indústria de transformação de minerais não-metálicos e a extração mineral, já desenvolvidas na região desde o início do século XX conferiu ao grupo USATI-PORTOBELLO um conhecimento do lugar que também deve ter influenciado o grupo para atuar no ramo cerâmico, pois embora o processo produtivo para a produção de revestimentos cerâmicos seja distinto do processo produtivo da cerâmica vermelha, o ramo de atuação é o mesmo, ou seja, indústria de transformação de minerais não-metálicos, além do que na década de 50 o grupo já havia implantando uma olaria e algumas cerâmicas da região já produziam lajotas para pisos utilizando argila selecionada e fornos-túnel.
As atividades de produção iniciaram em junho de 1979, quando entrou em operação o primeiro forno com capacidade de 65.000 m2 por mês. A Cerâmica Portobello caracterizou-se desde o início pela alta concentração tecnológica para produção da linha cerâmica nobre, distinguindo-se das olarias existentes na região, que trabalham com a produção da linha de cerâmica vermelha, representando uma mudança técnica das atividades cerâmicas desenvolvidas no município até então assentadas na cerâmica vermelha (PORTOBELLO, 2009).
A produção de revestimentos cerâmicos constituiu um ramo de atuação totalmente novo para o Grupo USATI-PORTOBELLO. A partir de então o município passa a ter duas vias de desenvolvimento, seja com a atividade canavieira que era processada na Usina localizada em São João Batista e com a produção de revestimentos cerâmicos. O Grupo USATI-PORTOBELLO passa então a dominar o meio rural com o CAI açucareiro e o meio urbano com a Cerâmica Portobello, sendo duas atividades totalmente distintas que irão delinear a organização do município e o desenvolvimento das atividades econômicas.
A Cerâmica Portobello teve papel importante no crescimento urbano e populacional, bem como no dinamismo econômico do município. A medida que a Cerâmica Portobello foi expandindo seu parque fabril houve a necessidade de contratar cada vez mais mão-de-obra o que influenciava diretamente no crescimento urbano do município com a intensificação do processo migratório de pessoas de outras partes do estado e do país em busca de trabalho e melhores condições de vida.
No final da década de 80 a crise alcançou a atividade canavieira e o CAI foi desativado em 1989, abalado pela crise econômica brasileira que havia alcançado o setor açucareiro, aliado a extinção do IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) no ano anterior, onde o Grupo USATI-PORTOBELLO avaliou a situação de suas unidades, concluindo que possuíam poucas áreas de terra e que a produtividade[10] era menor se comparadas a do Estado de São Paulo, chegando a conclusão que a produção de cana para fins industriais era antieconômica no território catarinense (CORRÊA, 1996).
Com a desativação do CAI o município perde uma das vias de desenvolvimento, porém a segunda via representada pela Cerâmica Portobello foi consolidada com a modernização e expansão da atividade cerâmica, sendo que no decorrer dos anos a ampliação da produção e do número de trabalhadores, bem como a diversificação dos produtos foi uma constante.

CONSEQUÊNCIAS SÓCIO-ESPACIAIS DO PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO NO MUNICÍPIO DE TIJUCAS

Em decorrência das mudanças estruturais pelo qual passou o município, com o processo de modernização das atividades econômicas, tanto no campo como na cidade, serão analisadas adiante quais foram as conseqüências em relação às mudanças sócio-espaciais no meio rural, no crescimento populacional e urbano, bem como as mudanças no perfil socioeconômico, procurando, assim, reconhecer e dimensionar, qualitativa e quantitativamente, os vetores da modernização com incidência no município.

Transformações sócio-espaciais no meio rural[11]

  Com a modernização da atividade canavieira e a constituição do Complexo Agroindustrial açucareiro grande parte dos produtores rurais foram expropriados devido ao avanço capitalista do Grupo USATI-PORTOBELLO no processo de aquisição de terras provocando a reorganização espacial com o processo de concentração fundiária onde o grupo pretendia produzir a própria cana eliminando desta forma o produtor independente. Os ex-fornecedores de cana que resistiram à expropriação tiveram que encontrar no meio rural outras formas de sobrevivência (CORRÊA, 1996).
Com relação a concentração fundiária é possível constatar que os estabelecimentos situados nos estratos com menos de 5 a 50 ha reduziram significativamente a área no intervalo de 1960 (63,02%) para 1980 (42,79%). Em contrapartida os estabelecimentos com mais de 200 há tiveram um incremento na área de 13,11% para 35,30% respectivamente, o que demonstra a mudança na estrutura fundiária devido ao avanço capitalista no campo, onde o Grupo USATI-PORTOBELLO, representado pela Usina de Açúcar Tijucas S/A, instalada em São João Batista, foi a principal responsável pela concentração de terras nos estratos superiores (CORRÊA, 1996).
No que se refere ao uso da terra a área utilizada para o cultivo da cana-de-açúcar aumentou de 1.428 ha em 1960 para 2.747 ha em 1970 diminuindo para 2015 ha em 1980. Já o fumo ocupou uma área plantada de 825 ha em 1960, permanecendo 825 ha em 1970 e subindo para 1.025 ha em 1980. Este aumento na área destinada ao cultivo do fumo foi devido ao processo de eliminação dos fornecedores de cana que passaram a plantar fumo como alternativa para permanecerem vivendo no campo, além de outros que optaram pelo cultivo de arroz e criação de gado. Já os cultivos alimentares apresentaram variações irregulares no período (CORRÊA, 1996).
O avanço capitalista do Grupo USATI-PORTOBELLO no campo também provocou a alteração nas relações de trabalho aparecendo a figura do “bóia-fria” como são chamados os assalariados do campo. No que se refere às relações de trabalho houve uma diminuição do trabalho familiar no intervalo de 1960 (92,68%) para 1970 (79,03%) e 1980 (77,48%) o qual deve ser atribuída ao avanço capitalista e a modernização tecnológica da agricultura, seja na atividade canavieira ou fumageira. Em contrapartida o número de empregados temporários passou de 4,44% (1960) para 15,54% (1970) diminuindo para 12,02% em (1980) e o número de empregados permanentes passou de 2,51% (1960) para 4% (1970) e 9,32% em 1980 (CORRÊA, 1996).

Transformações sócio-espaciais no meio urbano

Com o avanço capitalista e os lucros auferidos com a atividade canavieira o Grupo USATI-PORTOBELLO veio a diversificar suas atividades com a instalação da Cerâmica Portobello no final da década de 70, onde a economia tijuquense, que se encontrava baseada basicamente na atividade canavieira, muito embora tivesse uma variedade de pequenos e médios estabelecimentos industriais foi dinamizada vindo a gerar muitos empregos tantos diretos como indiretos, atraindo grande número de trabalhadores provocando desta forma o crescimento populacional, sobretudo da população urbana, intensificando o processo de urbanização.
A população urbana cresceu tanto em termos absolutos passando de 6.476 em 1970 para 26.002 em 2010, significando um aumento de quatro vezes, quanto em termos percentuais passando de 50,7% em 1970 para 84% em 2010. Já a população rural diminui em números absolutos passando nesse mesmo período de 6.298 para 4.958, e em termos percentuais passando de 49,3% em 1970 para 16% em 2010.  Tal situação evidencia a participação cada vez maior da população urbana e do desenvolvimento das atividades ligadas ao setor secundário e terciário a partir da década de 70 quando ocorre a modernização da atividade canavieira e a instalação da Cerâmica Portobello.

Quadro 01: Crescimento populacional e participação da população urbana em Tijucas
Ano
População Total
Pop. Rural
Pop. Urbana
% Pop. urbana
1970
12.774
6.298
6.476
50,7%
1980
14.608
5.641
8.967
61,4%
1991
19.650
5.316
14.334
72,9%
2000
23.499
4.788
18.711
79,6%
2010
30.960
4.958
26.002
84%
Fonte: IPEA Regional: Tema População e IBGE Censo Populacional de 2010

No meio urbano, com a instalação da Cerâmica Portobello no final da década de 70, o processo de urbanização se intensificou. A expansão urbana do município, acelerada a partir da década de 80, promoveu a abertura de vários loteamentos empreendidos tanto pela Cerâmica Portobello para atender as necessidades de seus funcionários por moradia além de iniciativas de proprietários de grandes glebas de terras no centro da cidade que passaram a vislumbrar uma boa forma de ganhar dinheiro loteando suas terras devido a grande demanda existente.
O Estado, por intermédio da Prefeitura Municipal, do Governo Estadual e do Governo Federal, os grupos sociais excluídos e por fim os agentes imobiliários também agiram na produção do espaço com a abertura de vários loteamentos. A expansão urbana se deu na direção norte, para as terras mais altas e favoráveis a habitação, já que em direção ao sul o rio funciona como barreira natural, além do que as terras alagáveis situadas no sul do rio não são propícias a habitação.

Mudanças no perfil sócio-econômico

Com o processo de modernização ocorreu uma expansão/retração dos setores produtivos onde a agricultura regride aceleradamente no período de 1970 a 1996 passando de 25,58% para 1,46%, subindo para 3,97% em 2008. Já a participação da indústria aumenta aceleradamente no mesmo período passando de 33,98% em 1970 para 68,30% em 1996, vindo a regredir para 37,65% em 2008, onde então o setor terciário passa a assumir a ponta como setor mais importante passando a responder por 56,47% do PIB.

Quadro 02: Tijucas – PIB (Participação por setor)

1970
1975
1980
1985
1 996
2000
2008
Agricultura
25,58
22,65
12,64
11,11
1,46
2,02
3,97
Indústria
33,98
41,19
61,51
59,11
68,30
41,51
37,65
Com/Serv.
40,44
36,16
25,85
29,78
30,24
56,47
58,38
Total
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
      Fonte: IPEA Regional - Tema Contas Nacionais

Já quanto ao pessoal ocupado, verifica-se que em 1970, 78,66% da população ocupavam-se no setor primário, 12,11% no secundário e 9,21% no terciário. Em 1975 a maior parte da população ainda continuava ocupada no setor primário (71,31%) embora a participação tenha diminuído com a redução do pessoal ocupado na agricultura. A redução do pessoal ocupado na agropecuária no período de 1970 para 1975, passando de 2.655 para 1.785, é devido ao avanço capitalista do Grupo USATI-PORTOBELLO no campo que aumentou a área destinada ao plantio de cana-de-açúcar e reduzindo as áreas destinadas aos cultivos alimentares, forte empregadora de mão-de-obra.
O número de trabalhadores no setor secundário passa de 423 em 1975 para 1.039 em 1980, representando 30,88% do pessoal ocupado devido a entrada em funcionamento da Cerâmica Portobello em 1979.  De 1985 para 1995 o número de pessoal ocupado na indústria continua crescendo passando de 1.161 para 1.801 em virtude da expansão do parque fabril da Cerâmica Portobello. Em relação ao pessoal ocupado no setor agropecuário este regrediu de 1.974 para 481 trabalhadores, no mesmo período, devido à dissolução do CAI açucareiro em 1989.
O pessoal ocupado no setor terciário tem um aumento significativo no período de 1985 para 1995, passando de 404 para 1.200 trabalhadores, o que representa o dinamismo das atividades urbanas relacionadas a cadeia produtiva formada pela Cerâmica Portobello, assim como o aumento na demanda de bens e serviços pela população urbana. Em 2010 o secundário passa a representar 51,39% do pessoal ocupado, o terciário 48,14% e o primário apenas 0,47%. A participação do pessoal ocupado no setor agropecuário deve ser maior, porém por não ser formalizado não aparece nos dados oficiais.

Quadro 03: Tijucas - Pessoal Ocupado por Setor
Ano
Agropecuária
Indústria
Comércio e Serviços
Total
1970
2.655
409
311
3.375
1975
1.785
423
295
2.503
1980
2.074
1.039
251
3.364
1985
1.974
1.161
404
3.539
1995
481
1.801
1.200
3.482
2010
41
4.505
4.220
8.766
Fonte: IPEA: Regional - Tema Empregos. Os dados de 2010 foram obtidos junto a  RAIS/MTE

O processo de modernização ocorrido no município com o aumento da população urbana e a participação cada vez maior do setor secundário e do setor terciário provocou mudanças no perfil socioeconômico com a melhora no IDH[12] no período de 1970 a 2000. Em 1970 o IDH municipal era de 0,389, abaixo do IDH estadual que era de 0,477 vindo a superá-lo no ano 2000 onde o IDH municipal fica em 0,835 e o IDH estadual ficou em 0,822 o que significa que no período analisado o IDH municipal apresentou um desempenho melhor que o estadual, devido sobretudo a instalação da Cerâmica Portobello.
O IDH Renda foi o que teve o melhor desempenho passando de 0,248 em 1970 para 0,868 em 1980, o que representou um crescimento substancial relacionado a entrada em funcionamento da Cerâmica Portobello no ano de 1979, sendo o indicador que mais contribuiu para elevar o IDH-M, muito embora o IDH Educação e o IDH Longevidade também tenham apresentado um bom desempenho no período. Em 1991 houve uma queda no IDH Renda devido à dissolução do CAI açucareiro em 1989.

Quadro 04: IDH – M - Índice de Desenvolvimento Humano
Ano
Educação
Longevidade
Renda
IDH Municipal
IDH Estadual
1970
0,531
0,386
0,248
0,389
0,477
1980
0,608
0,567
0,868
0,681
0,734
1991
0,770
0,770
0,700
0,747
0,748
2000
0,892
0,845
0,769
0,835
0,822
2010
-
-
-
-
-
   Fonte: IPEA - Social - Tema Desenvolvimento Humano
     (-) Dados não disponíveis

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta de analisar o processo de modernização econômica ocorrido no município de Tijucas a partir da década de 70 e as transformações sócio-espaciais decorrentes tornou evidente o papel determinante do Grupo USATI-PORTOBELLO como principal agente modernizador, com as mudanças estruturais provocadas pela constituição do Complexo Agroindustrial açucareiro e pela instalação da Cerâmica Portobello.
A constituição do Complexo Agroindustrial açucareiro na década de 70 provocou a reorganização no espaço agrário do município. O capital acumulado com a atividade canavieira foi que permitiu ao Grupo USATI-PORTOBELLO diversificar suas atividades com a instalação da Cerâmica Portobello em 1977 que veio a representar uma modernização das técnicas desenvolvidas no território até então assentadas na indústria da cerâmica vermelha. A partir desse momento passam a existir no município duas vias de desenvolvimento com o Complexo Agroindustrial açucareiro e com a Cerâmica Portobello.
A desativação da Usina de Açúcar Tijucas S/A e da refinaria em 1989, ambas localizadas no município de São João Batista, provocou a dissolução do CAI açucareiro na sua área de influência. O município perde uma das vias de desenvolvimento baseada na atividade canavieira, contudo a segunda via de desenvolvimento representada pela Cerâmica Portobello foi consolidada com a modernização e expansão da atividade cerâmica.
Neste momento retomaremos as indagações iniciais para algumas considerações. Que lugar coube à formação sócio-espacial no processo de modernização? A formação sócio-espacial do litoral catarinense foi fundamental para o estabelecimento de uma economia agrária, a introdução da lavoura canavieira e o posterior desenvolvimento do Complexo Agroindustrial açucareiro, já que a cana-de-açúcar era cultivada no Vale do Rio Tijucas desde o início do povoamento. Soma-se a esse processo, a introdução da produção de cerâmica vermelha que foi introduzida no Estado de Santa Catarina inicialmente pelos açorianos que chegaram à região litorânea e mais tarde pelos alemães e principalmente italianos que, com seus conhecimentos técnicos acerca da produção cerâmica constituíram a base social para o surgimento da indústria de transformação de minerais não-metálicos no início do século XX, quando foram instaladas as primeiras olarias no município.
Quais foram os principais agentes envolvidos? Após a realização da pesquisa ficou evidente que o principal agente envolvido na modernização econômica do município foi o Grupo USATI-PORTOBELLO, com a constituição do Complexo Agroindustrial açucareiro e a implantação da Cerâmica Portobello, onde ambas representaram uma modernização das técnicas desenvolvidas no município, mas também teve contribuição a indústria fumageira, além do próprio Estado ao abrir linhas de crédito para financiar a agroindústria açucareira e a indústria de minerais não-metálicos, bem como implantar a infra-estrutura necessária com a pavimentação da Rodovia BR 101 inaugurada em 1971 e da Rodovia SC 411, inaugurada em 1975.
Quais foram os efeitos da modernização na reorganização sócio-espacial do município? Os principais efeitos foram o crescimento populacional e o aumento da urbanização onde a população urbana passou de 50,7% em 1970 para 84% em 2010 com a preponderância do setor secundário e terciário atingindo 96,03% do PIB em 2008 provocando desta forma mudanças no perfil sócio-econômico com uma melhoria substancial nas condições de vida da população tijuquense resultado da mudança de uma sociedade tradicional baseada na agricultura para uma sociedade moderna baseada nas atividades urbano-industriais.

REFERÊNCIAS

CAMPOS, Nazareno José. Terras comunais na Ilha de Santa Catarina. Florianópolis, Editora da UFSC, 1991.

CORRÊA, Walquíria Kruger. Transformações sócio-espaciais no município de Tijucas (SC): o papel do grupo USATI-PORTOBELLO. Rio Claro, 1996, 213 f. Tese (Doutorado em Geografia), UNESP.

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Dicionário de ciências sociais. (2a ed.), Rio de Janeiro, Ed. da FGV, 1987, p. 773-775.

GOMES, Luiz; BAYER, Marcos. Muitas histórias de Tijucas. Florianópolis: Editora Insular, 2000. 248 p.

GOULARTI FILHO, Alcides. A formação econômica de Santa Catarina. Ensaios FEE, Porto Alegre, v 23, n 2, p 977-1007, 2002.

IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Estatística: população e economia. Disponível em www.ibge.gov.br. Acesso em 04/06/2011.

IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas). IPEADATA: macroeconômico, Regional, Social. Disponível em www.ipeadata.gov.br. Acesso em 04/06/2011.

MTE (Ministério do Trabalho e Emprego). PDTE: Estatísticas da RAIS e do CAGED. Disponível em www.mte.gov.br. Acesso em 08/10/2011.

NOVÍSSIMO DICIONÁRIO DE ECONOMIA. Modernização econômica. (Org. Paulo Sandroni), São Paulo: Best Seller, 1999.

PNUD (Programa das Nações Unidas). Desenvolvimento humano e IDH. Disponível em www.pnud.org.br. Acessado em 31/08/2011.

PORTOBELLO. IAN: Informações anuais 2007. Disponível em www.portobello.com.br. Acesso em 23/07/2011.

PREFEITURA MUNICIPAL DE TIJUCAS. Fatos históricos. Disponível em www.tijucas.sc.gov.br. Acesso em 30/07/2011.

ROUVER, Vanderlei. Canelinha do Tijucas Grande. Canelinha/SC: Ed. da Prefeitura Municipal de Canelinha, 1988.

SANTA CATARINA (Estado). Atlas escolar de Santa Catarina. Florianópolis: IOESC, 1991.

SANTOS, Milton. Técnica, espaço e tempo: globalização e meio técnico-científico-informacional. São Paulo: Ed. Hucitec, 1994.
_________________________________________________________________________________
 
[1] O presente artigo foi elaborado a partir da monografia com o mesmo título deste artigo e que foi apresentada em dezembro de 2011 para obtenção do titulo de bacharel em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina.

[2] Área definida pelo IBGE, Resolução nº 05 de 10 de outubro de 2002.

[3] A baía de Tijucas não dispõe de praias turísticas em função das condições geomorfológicas da planície costeira e pela imensa quantidade de sedimentos trazidos pelo Rio Tijucas

[4] Em 1933 o governo passa a intervir na economia com a criação do IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool), Decreto nº 22.789 de 01/06/1933, que passa a regulamentar a produção açucareira no país.

[5] A opção por Florianópolis justifica-se por ser a capital do estado, além de sediar a Universidade Federal de Santa Catarina e os institutos de pesquisas agropecuárias.

[6] As agroindústrias fumageiras com sede em Brusque e Blumenau já atuavam em Tijucas desde a década de 50.

[7] Açúcar em estágio intermediário de beneficiamento e que ainda não foi submetido ao processo de clareamento.

[8] Os dados sobre uso de fertilizantes e tratores no município de Tijucas extraídos da Tese de Doutorado da Prof. Walquíria Kruger Corrêa refere-se à malha de 1950 onde naquela década faziam parte de Tijucas (Sede) os distritos de São João Batista (desmembrado em 1958) e Canelinha (desmembrado em 1962).

[9] A cerâmica de revestimento constitui-se um segmento da indústria de transformação, inserida no ramo de minerais não-metálicos, tendo como atividade a produção de uma variedade de produtos destinados ao revestimento de pisos e paredes. Representa, ao lado da cerâmica vermelha, louças, cal e vidro, uma cadeia produtiva que compõe o complexo industrial de materiais de construção.

[10] Nas unidades industriais da Usina de Açúcar Tijucas S/A, uma tonelada de cana rendia em média 86 kg de açúcar. No Estado de São Paulo a produção industrial alcançava em média 130 kg por tonelada de cana. (CORRÊA, 1996, p. 189).

[11] Os dados sobre o espaço agrário do município de Tijucas foram extraídos da Tese de Doutorado da Prof. Walquíria Kruger Corrêa que optou por manter a malha de 1950 para composição das tabelas devido ao fato de que naquela década faziam parte de Tijucas (Sede) os distritos de São João Batista (desmembrado em 1958) e Canelinha (desmembrado em 1962) para evitar desta forma distorções.  Os dados foram obtidos do IBGE – Censos Agrícolas (SC) de 1950, 1960 e Censos Agropecuários (SC) de 1970, 1980, 1985.

[12] O objetivo da elaboração do Índice de Desenvolvimento Humano foi oferecer um contraponto a outro indicador muito utilizado, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento. Além de computar o PIB per capita, depois de corrigi-lo pelo poder de compra da moeda de cada país, o IDH também leva em conta dois outros componentes: a longevidade e a educação. Essas três dimensões têm a mesma importância no índice, que varia de zero a um.


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