terça-feira, 19 de março de 2013

Mudanças geoeconômicas no capitalismo da segunda metade do século XX


RESUMO

Análise da evolução da economia mundial entre a Segunda Grande Guerra e o final do século vinte observando os efeitos geográficos a ela relacionados.

Dois processos de grande impacto:

a) crescimento e desarticulação da economia americana e a concomitante emergência competitiva da Ásia Oriental;
b) tentativa de reafirmação dos Estados Unidos e suas repercussões sobre: o padrão de localização dos investimentos asiáticos; a organização do espaço urbano e regional desses países; os fluxos internacionais de comércio e capital, todos concorrendo para a recente crise econômica asiática.

Introdução

Três processos principais observados na economia mundial na segunda metade do século XX:

a) perda de capacidade competitiva da economia norte-americana a partir do final dos anos sessenta, com tentativa de recuperação desde meados dos anos 80;
b) emergência de novas regiões e/ou países industriais com forte poder competitivo, com destaque para a Ásia Oriental, que, todavia foi tomada por violenta crise no ano de 1997;
c) processo de internacionalização financeira e, imbricado a ele, avanço das políticas orientadas pelo livre jogo das forças de mercado, afetando diversos países.

A análise desse conjunto de mudanças requer, pois que se atente quanto aos aspectos metodológicos para duas noções principais:

a) a noção de dinâmica cíclica do desenvolvimento capitalista, ancorada na perspectiva schumpeteriana dos ciclos tecnológicos de longa duração (os Kondratieffs, de 50 anos);
b) a noção de formação econômico-social, tributária do pensamento marxista e condição sine qua non para apreensão das especificidades e determinações nacionais e/ou regionais da redefinição geoeconômica em curso.

Expansão e crise da economia norte-americana

É preciso avaliar as condições setoriais desse crescimento ao longo do referido ciclo, notadamente dos setores de bens de consumo duráveis, bens de produção (em especial intermediários) e aqueles ligados as compras estatais (ou ao Keynesianismo bélico, na expressão de Tavares & Melin, 1997). É isso que nos permitirá entender o desenvolvimento tecnologicamente desigual do capitalismo americano.
Com efeito, depois de promover uma ampla revolução no consumo de massa na primeira metade deste século (Castro, 1979), lançando os rudimentos do que ficou conhecido como padrão fordista de crescimento, marcado, pois por um largo acesso dos trabalhadores aos bens de consumo duráveis.

As soluções encontradas para tais limitações ao crescimento no setor dos duráveis de consumo seguiram dois caminhos principais:

- Por um lado, fora possível contar com inovações de produtos importantes que dinamizaram sobremaneira o setor.

- Porém as linhas de resistência ao crescimento dos duráveis de consumo foram também rompidas através de um movimento de exportação de capitais, marcado por fortes investimentos externos diretos ao continente europeu, uma linha de ruptura, diga-se, não tão dinâmica tecnologicamente.

Significa apenas uma mudança “de superfície”, sem grandes alterações tecnológicas na estrutura produtiva. (Mamigonian, 1982) chamou de crescimento extensivo (obsolescência dos produtos, multinacionalização, etc.) da economia americana, por oposição a um crescimento de corte mais intensivo, ditado pelo dinamismo tecnológico.
No caso do movimento de exportação de capitais, a perda de dinamismo parece, porém, condicionada igualmente as determinações das formações sociais onde vão ocorrer os investimentos.

A Ásia Oriental: emergência competitiva das mais recentes industrializações tardias

A desaceleração tecnológica e a perda de dinamismo competitivo de importantes setores da economia americana estiveram associadas com a adesão aos princípios do livre mercado (a quase completa ausência de mecanismos institucionais que enquadrassem a empresa privada na consecução de objetivos macroeconômicos).
A industrialização e a crescente competitividade asiática é ininteligível se não atentarmos para o papel do Estado e de diversos mecanismos institucionais que literalmente negam a ação dos mercados e da empresa privada.

Crise da Ásia (ou tentativa de reafirmação da hegemonia americana?)

Políticas de reafirmação econômica e geopolítica implementadas pelos EUA desde há aproximadamente um quarto de século.
É imperioso admitir também que a ação especulativa internacional desses agentes (no mercado de ações, de títulos imobiliários, etc) é em boa medida o resultado de políticas específicas da potência norte-americana com o objetivo de se reposicionar no cenário econômico mundial (Tavares e Melin, 1997).

A crise: periodização de seus determinantes e efeitos geográfico-econômicos

Após o estouro da grande crise mundial da primeira metade dos anos setenta, os Estados Unidos conheceram três grandes períodos de política econômica.
A segunda metade dos anos setenta, marcada pelo governo Carter, teve por característica básica uma administração Keynesiana da crise, favoreceu um forte crescimento econômico que permitiu aos EUA enfrentar com algum sucesso o problema do emprego no período (Lipietz, 1988). Outrossim, tal expansão significou alimentar a economia mundial, fornecendo mercado, por exemplo, para a expansão japonesa e também para diversos capitalismos tardios do Terceiro Mundo mas, principalmente significou lançar nas áreas da OPEP, os recursos que vão dar lugar aos chamados petrodólares.
Todavia, a partir do final dos anos setenta, a elevação das taxas anuais de inflação  para qual contribui o segundo choque do petróleo associada ao retorno do partido republicano ao poder parece ter motivado uma mudança de rota importante, cujo efeito sobre a economia mundial será de grandes proporções.

O estopim da crise

Ora, todos esses elementos que concorreram para a redefinição geográfico-econômica que vimos tratando (mudanças nos fluxos financeiros e comerciais, na localização dos investimentos industriais, na estruturação do espaço urbano e regional), são os mesmos que ajudam a entender a violenta crise capitalista de 1997, que tomou de cheio parte importante da Ásia Oriental e acabou se projetando mesmo sobre a Europa do leste e o Brasil.

Dois elementos cruciais deflagradores da crise asiática, manifestado em fortes saldos externos negativos (comerciais e de todo o balanço de pagamentos) e/ou na derrubada dos mercados acionários por efeitos de ataques especulativos. São eles:
a) uma forte superprodução de bens industriais;
b) uma violenta crise do sistema bancário regional.

Conclusão: o milagre da Ásia acabou?

Mesmo os países que foram tomados por ataques especulativos não estão fadados a sucumbir economicamente, como querem fazer crer os acólitos do mercado de todos os quadrantes. Com efeito, a crise foi essencialmente especulativa e de excesso de capitais. Por baixo desse processo há em cada país industrialmente bem sucedido da região, uma base produtiva altamente moderna, e que ademais conta, entre seus principais ativos competitivos, com práticas de produção e gestão acumuladas por um longo tempo de aprendizagem (Amsden, 1990; 1996).

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