I. Economia Verde: A Nova Fase da
Expansão Capitalista e de Ajuste Estrutural
1. Atualmente enfrentamos grandes riscos – até
mesmo uma crise de civilização – que se manifestam em muitas dimensões e que
são exacerbados por desigualdades sem precedentes. Sistemas e instituições que
sustentam a vida e as sociedades – tal como a produção de energia e alimentos,
o clima, a água, a biodiversidade e mesmo as instituições econômicas e
democráticas – estão sob ataque ou em colapso.
2. Na década de 1980, enfrentando uma crise da
lucratividade, o capitalismo lançou uma ofensiva maciça contra trabalhadores e
povos, buscando aumentar os lucros através da expansão dos mercados e da
redução de custos pela liberalização das finanças e negócios, flexibilização do
trabalho e privatização do setor público. Esse ‘ajuste estrutural’ maciço ficou
conhecido como Consenso de Washington.
3. Hoje, frente a uma crise ainda mais complexa e
profunda, o capitalismo está lançando um novo ataque que combina as antigas
medidas de austeridade do Consenso de Washington – como estamos presenciando na
Europa – com uma ofensiva para criar novas fontes de lucro e crescimento
através da agenda da “Economia Verde”. Embora o capitalismo sempre se baseou na
exploração do trabalho e da natureza, essa nova fase da expansão do capitalismo
busca explorar e lucrar colocando um valor precificado em capacidades
essenciais da natureza para gerar vida.
4. A Cúpula da Terra no Rio de Janeiro, em 1992,
institucionalizou importantes bases para a cooperação internacional no
desenvolvimento sustentável, tal como o princípio de que o poluidor paga, as
responsabilidades comuns porém diferenciadas e o princípio da precaução. Mas o
Encontro do Rio também institucionalizou o conceito de “desenvolvimento
sustentável” baseado do “crescimento” ilimitado. Em 1992, as Convenções do Rio
reconheceram pela primeira vez os direitos das comunidades indígenas e suas
contribuições centrais para a preservação da biodiversidade. Mas, nos mesmos
documentos, os países industrializados e as corporações obtiveram a garantia da
propriedade intelectual das sementes e dos recursos genéticos que roubaram
através de séculos de dominação colonial.
5. Vinte anos depois, em 2012, o saque continua.
A agenda da “Economia Verde” é uma tentativa de expandir o alcance do capital
financeiro e integrar ao mercado tudo o que resta da natureza. Pretende fazer
isso colocando um “valor” monetário ou um “preço” na biomassa, na
biodiversidade e nas funções dos ecossistemas – como o armazenamento de
carbono, a polinização de plantações ou a filtragem da água – a fim de integrar
esses “serviços” como unidades comercializáveis no mercado financeiro.
II. O Que e Quem Está Por Trás do Draft Zero (Esboço Zero)?
6. O resultado do documento “draft zero” para a
Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável da Rio+20 se
chama “O Futuro que Queremos”1.
No coração desse breve texto está a seção “A economia verde no contexto do
desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza”.
7. O “draft zero” – como todos os ataques
perversos do capitalismo – é cheio de generalidades para esconder as reais
intenções. A força ideológica por trás do “draft zero” é o relatório de 2011 do
PNUMA Rumo a Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e
Erradicação da Pobreza, que mostra claramente o objetivo final de alcançar o
“capitalismo verde”. 2
8. Em uma escala global, a “Economia Verde”
procura desassociar o crescimento econômico da deterioração do meio ambiente
através de um capitalismo tridimensional que inclui capital material, capital
humano e capital natural (rios, zonas úmidas, florestas, recifes de corais,
diversidade biológica e outros elementos). Para a “Economia Verde”, a crise de
alimentos, do clima e da energia compartilham uma característica comum: uma
alocação falha de capital. Como resultado, eles tentam tratar a natureza como
capital – “capital natural”. A “Economia Verde” considera essencial colocar um
preço no serviço gratuito que plantas, animais e o ecossistema oferecem a
humanidade em nome da “conservação” da biodiversidade, purificação da água,
polinização das plantas, proteção do recife de corais e regulação do clima.
Para a “Economia Verde”, é necessário identificar as funções específicas do
ecossistema e da biodiversidade e atribuir a eles um valor monetário, avaliar
suas condições atuais, estipular um limite depois do qual eles não irão mais
prover serviços e concretizar em termos econômicos o custo de sua conservação a
fim de desenvolver um mercado para cada serviço da natureza específico. Para a
“Economia Verde” os instrumentos do mercado são poderosas ferramentas para
gerir a “invisibilidade econômica da natureza”.
9. Os principais alvos da “Economia Verde” são os
países em desenvolvimento, onde se encontra a biodiversidade mais rica. O
“draft zero” até mesmo reconhece que uma nova rodada de “ajustes estruturais”
será necessária: “países em desenvolvimento estão enfrentando grandes desafios
para erradicar a pobreza e manter o crescimento, e uma transição para uma
economia verde irá requerer ajustes estruturais que podem envolver custos
adicionais para suas economias…”.
10. Mas a “Economia Verde” não é uma ficção do
futuro: ela já está aqui. Como afirma o “draft zero”, “Nós apoiamos estruturas
políticas e instrumentos de mercado que efetivamente diminuam, parem e revertam
o desmatamento e degradação das florestas”. Esta passagem está se referindo ao
REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação), uma iniciativa da
Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) que
consiste em isolar e medir a capacidade das florestas de capturar e armazenar
dióxido de carbono a fim de emitir certificados de redução das emissões de
gases de efeito estufa que podem ser comercializados e adquiridos por empresas
em países em desenvolvimento que não conseguem cumprir seus compromissos de
redução das emissões. Mas nós já vimos que o mercado de créditos de carbono
baseado nas florestas irá levar: a) à falta de comprometimento com os acordos
de redução efetiva das emissões pelos países desenvolvidos; b) ao aumento da
apropriação de recursos por intermediários e entidades financeiras que
raramente beneficiam países, populações indígenas e as próprias florestas; c) à
geração de bolhas especulativas baseadas na compra e venda dos certificados
mencionados, e; d) ao estabelecimento de novos direitos de propriedade sobre a
capacidade das florestas de capturar dióxido de carbono, que irá colidir com os
direitos soberanos dos Estados e dos povos indígenas que vivem nas florestas.
11. Os postulados promovidos sob a designação de
“Economia Verde” estão errados. A atual crise ambiental e climática não é
simplesmente uma falha de mercado. A solução não é colocar um preço na
natureza. A natureza não é uma forma do capital. É errôneo dizer que só
valorizamos aquilo que tem preço, um dono e que traz lucros. Os mecanismos de
mercado que permitem trocas entre seres humanos e nações se mostraram incapazes
de contribuir para uma distribuição equitativa da riqueza. O maior desafio para
a erradicação da pobreza não é crescer eternamente, mas alcançar uma
distribuição equitativa da riqueza que seja possível dentro dos limites do
sistema Terra. Em um mundo no qual 1% da população controla 50% da riqueza do
planeta não será possível erradicar a pobreza nem restaurar a harmonia com a
natureza.
12. A agenda da “Economia Verde” é uma
manipulação cínica e oportunista das crises ecológica e social. Ao invés de
enfrentar as verdadeiras causas estruturais das desigualdades e injustiças, o
capital está usando a linguagem “verde” para lançar uma nova e agressiva rodada
de expansão. As corporações e o setor financeiro precisam dos governos para
institucionalizar novas regras da “Economia Verde” que os protejam contra
riscos e para criar um quadro institucional para a financeirização da natureza.
Muitos governos são parceiros ativos nesse projeto por acreditarem que isso irá
estimular uma nova fase de crescimento e acumulação.
13. De fato, a “Economia Verde” é o novo Consenso
de Washington que está para ser lançada na Rio+20 como o próximo estágio do
capitalismo para recuperar o crescimento e lucros perdidos. Esse
definitivamente não é o futuro que NÓS queremos.
Fonte
http://rio20.net/pt-br. Acesso em 22/06/2012
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