domingo, 24 de outubro de 2010

Resenha Bibliográfica: O CONCEITO DE ESPAÇO RURAL EM QUESTÃO

IDENTIFICAÇÃO DA REFERÊNCIA

Título: O conceito de espaço rural em questão
Autora: Marta Inez Medeiros Marques


RESUMO

1. Apresentação

A diminuição das desigualdades sociais passa necessariamente pela valorização do campo, mas no Brasil o que se vê é um projeto de desenvolvimento rural voltado para expansão e consolidação do agronegócio, que embora gere divisas via exportação implica custos sociais e ambientais crescentes. A estratégia de desenvolvimento do campo deve priorizar o desenvolvimento social, mas que não se restrinja a uma perspectiva econômica, aumentando ainda mais as desigualdades, como pode ser evidenciado pelo avanço dos movimentos sociais no campo. É preciso uma política eficaz de fixação do homem no campo valorizando as atividades primárias tendo em vista que a pobreza atinge 39% da população rural e sendo identificado no meio rural os menores índices de escolaridade concentrando hoje os mais baixos níveis de renda média evidenciando o descaso do governo para com o homem do campo.

2. A nossa definição oficial de espaço urbano e rural

No Brasil adota-se o critério político-administrativo e considera-se urbano toda sede de município (cidade) e distrito (vila). O espaço urbano caracteriza-se por construções, arruamentos e intensa ocupação humana, além das áreas afetadas pelo desenvolvimento urbano bem como as reservadas a expansão urbana. Além disso, o urbano e o rural são definidos pelo arbítrio dos poderes municipais influenciado por seus interesses fiscais. Veiga (2002) discorda do critério de urbanização utilizado no Brasil e sugere o uso combinado de três critérios para se evitar uma ilusão imposta pela atual norma legal: o tamanho populacional do município, sua densidade demográfica e sua localização. Desta forma, 30% da população brasileira seriam essencialmente rurais. Pra esta análise é preciso considerar a relação entre espaços mais urbanizados e espaços onde os ecossistemas permanecem menos artificializados, ou seja, espaços rurais, para a definição de uma estratégia realista. Veiga procura defender a viabilidade econômica do espaço rural como trunfo econômico desses espaços o seu patrimônio cultural e natural, além das amenidades (ar puro, belas paisagens) enfatizando o dinamismo encontrado nos países desenvolvidos preocupando-se demasiadamente este autor em transformar o espaço rural em objeto do consumo não problematizando os aspectos sociais. Alentejano analisa a urbanização do campo com base na proliferação de atividades não agrícolas neste espaço como o turismo e prestação de serviços que não deixam de ser atividades rurais tendo em vista a dependência associada à terra.

3. Sobre critérios e definições, em questão a perspectiva dicotômica

O rural e o urbano são comumente definidos a partir de suas diferenças, ou seja, sob uma perspectiva dicotômica. Os principais critérios utilizados oficialmente são:
a) discriminação a partir de um patamar populacional;
b) a predominância da atividade agrícola;
c) delimitação político-administrativa.
De uma maneira geral, as definições elaboradas sobre o campo e a cidade podem ter duas abordagens:
A dicotômica: o campo pensado como meio social distinto da cidade se referindo as características de ordem econômica, espacial, social e cultural a partir de 8 traços principais:
- atividades desenvolvidas;
- dependência da natureza;
- tamanho das populações;
- densidade populacional;
- diferenças na homogeneidade e heterogeneidade das populações;
- complexidade social;
- diferenças na mobilidade social;
- direção da migração.
E a continuum: idéia de continuum rural-urbano, ou seja, maior integração entre cidade e campo, com a modernização desde e a destruição de formas arcaicas, admite-se, pois diferenças de intensidade e não de contraste entre estes dois espaços, em relação aos quais não haveria uma distinção nítida, mas uma diversidade de níveis que vão desde a metrópole até o campo no outro extremo, que analisado atentamente também se apóia numa concepção dual, pois consideram o rural e o urbano como pontos extremos numa escala de gradação.

4. A alienação do modo de vida urbano e a idealização da ruralidade

Para Willians a cidade se tornou o símbolo do capitalismo, embora o campo também tivesse sido influenciado e as relações entre cidade e campo tivessem se transformado. Só que no tocante ao campo o homem passou a valorizá-lo a partir de sua paisagem natural, objeto do consumo dessa nova sociedade capitalista. A divisão e oposição entre cidade e campo, indústria e agricultura, em suas formas modernas, correspondem à culminação do processo de divisão e especialização do trabalho que, com o capitalismo, foi desenvolvido a um grau extraordinário. O autor nos convida a superarmos tal divisão que estaria na base do processo de alienação e nos tornaria seres divididos. A imagem idealizada do campo corresponderia, assim, a uma reação crítica a forma alienada das relações sociais dominantes.
               
5. A relação cidade-campo

Para Marx, “A oposição entre a cidade e o campo começa com a transição da barbárie a civilização, da organização tribal ao estado, da localidade a nação e persiste através de toda história da civilização até nossos dias”. Já para Lefebvre a Razão teve na cidade seu lugar de nascimento contrapondo a cidade a ruralidade e a vida camponesa cheia de forças obscuras. Segundo Lefebvre são identificadas três eras:
Era agrária: nas sociedades agrárias as cidades arcaicas eram, sobretudo cidades políticas que organizavam o meio rural sendo dominada por este. O campo produzia e a cidade consumia.
Na Idade Média Européia, o surgimento das cidades relaciona-se com as seguintes funções: cidadela ou palácio, santuário e mercado. Neste período a separação entre cidade e campo pode ser entendida como separação entre capital e propriedade da terra, o passo seguinte foi a separação entre produção e comércio. A produção agrícola deixa de ser a principal atividade e a riqueza deixa de ser sobretudo imobiliária. A cidade passa a ser o lócus da produção e a controlar o sistema da produção no campo completando a vitória da cidade sobre o campo. Os fundamentos da riqueza não mais se reduzem a propriedade da terra, mas se estende ao trabalho e a troca.
A cidade industrial passa a gerar grande concentração urbana, apresentando extensos bairros proletários e abrigando população expulsas do campo. O movimento urbano associado ao processo de industrialização é responsável pelo surgimento de novas atividades econômicas para estruturar a circulação de mercadorias e para organizar e administrar todos os sistemas relacionados as atividades econômicas.
Por outro lado, a partir do final do século XX, com a saturação da cidade, a natureza transforma-se no “gueto dos lazeres”, o espaço do campo passa a ser colonizado pelos urbanos e a integrar o modo de vida deles. Nesta perspectiva, abre-se uma discussão sobre um novo rural para que se possa repensar o urbano e neste sentido não concebendo o campo apenas como complemento da cidade, tampouco paisagem a ser consumida, mas lugar de oportunidades para o momento em que estamos vivendo com  a superpopulação das cidades e a queda da qualidade de vida, a saturação do mercado de trabalho, sendo visível através dos movimentos sociais.

6. Considerações finais

Na França e Estados Unidos vêm ocorrendo um processo de revalorização do campo muito mais intenso que no Brasil, observado por uma nova divisão social do trabalho bem distantes da produção agrícola como o ecoturismo, o turismo de aventura, entre outras relacionadas a prestação de serviços dinamizando o campo e diversificando suas atividades.


COMENTÁRIO

O texto faz uma análise do espaço rural levando em conta o papel das cidades tendo em vista que os dois espaços, o rural e o urbano, só podem ser entendidos e analisados conjuntamente, pois fazem parte de uma totalidade indissociável onde a cidade é a paisagem construída pelo homem, que embora desenvolva atividades não relacionadas diretamente com a natureza necessita das matérias primas fornecidas por esta e não obstante fornece os insumos e equipamentos necessários para a realização das atividades agrícolas, sobretudo com a modernização da agricultura a partir da metade do século XX. O espaço rural foi tema de análise de diversos estudiosos que tinham como preocupação o estudo do fenômeno rural, sua definição, modernização sofrida nos últimos tempos com a absorção de tecnologias desenvolvidas pelas indústrias e até mesmo a tendência verificada com a valorização dos espaços rurais para o desenvolvimento de atividades diversas daquelas tradicionalmente desenvolvidas como, por exemplo, o turismo rural (de lazer e aventura) e outros serviços relacionados a este meio, enfim a satisfação das necessidades dos cidadãos urbanos que buscam pelas amenidades típicas das áreas rurais. Tal fenômeno é mais avançado nos países desenvolvidos como os estados Unidos e França onde existe inclusive um fluxo de pessoas das cidades para o campo em busca de novas oportunidades ou de uma melhor qualidade de vida. No tocante ao fenômeno rural não podemos esquecer dos movimentos sociais que vêm ocorrendo no campo, sobretudo por demonstrar os impactos sociais provocados pelo capitalismo que embora tenha a cidade como o maior reflexo, desenvolve-se no meio rural com a mudança nas relações de trabalho e na divisão social do trabalho. Nota-se, porém que a divisão social é mais evidente que a divisão social do trabalho entre campo e cidade. Neste movimento verifica-se tanto a recriação de práticas e tradições rurais em espaços liminares nas periferias das cidades, quanto a adoção de valores e padrões de consumo urbanos no campo. A sociedade tal como se estrutura atualmente coloca o campo como subordinado a cidade e as políticas governamentais sempre priorizaram um desenvolvimento setorial e não territorial que integrasse os dois espaços. Surge a necessidade da construção de um novo rural que passa pelo acesso à cidadania de toda a população rurais sendo pontos importantes para que isto ocorra, a emergência das classes subalternas no campo como sujeito políticos, reconhecimento da capacidade dos segmentos rurais de formular suas próprias alternativas de desenvolvimento e ampliação do acesso à informação pelas classes subalternas rurais para que estas possam se situar no mundo criticamente. Com base nisso, a sociedade têm gestado algumas alternativas surgindo novas experiências de luta no campo, nas quais os movimentos sociais têm buscado formas para permanecer na terra afirmando sua territorialidade. Esses novos movimentos sociais em geral propõem novas formas de organização social, ou seja, novas formas de produzir e existir coletiva e socialmente.



2 comentários:

  1. falta neste artigo a indicação das fontes utilizadas, para pesquisas futuras...
    Obrigada
    leila

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  2. A fonte utilizada foi somente o artigo: MARQUES, M. I. M. . O conceito de espaço rural em questão. Revista Terra Livre, São Paulo, v. 18, n. 19, p. 95-112, 2002, além de considerações pessoais.

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