Cerca de 1,6 mil homens
trabalham para edificar os mais de 2,8 quilômetros de extensão em formato
estaiado, uma das mais belas estruturas de engenharia que existem no mundo.
Por Sâmia Frantz
Embora fosse sempre uma
festa, a jovem Otília tremia de medo ao atravessar a pé a Ponte Tereza Cristina
em Laguna. Corria o início dos anos 1930 e a ponte era a única ligação entre as
duas metades da cidade, cortada ao meio pelo Canal das Laranjeiras. Feita de
ferro, estreita, instável, já à época era quase uma senhora – havia sido
inaugurada 50 anos antes, em 1882, após ser trazida pelo mar direto da
Inglaterra. Mas então, uma nova ponte, mais moderna, começou a surgir ali ao
lado – primeiro uma ferrovia, que, depois, viria a se transformar na Ponte
Henrique Lage, em uso até hoje. Conforme a obra crescia, crescia também a
paixão de Otília por um dos operários, um homem oito anos mais velho que havia
deixado a família em Paulo Lopes para trabalhar na construção daquele novo
monumento. Oito décadas mais tarde, a ponte centenária que um dia assustou,
agora já provoca temor. Ela continua lá, enferrujando e evocando lembranças boas,
bem de frente para o pátio da casa onde Otília mora com a filha do meio,
Terezinha, no alto do morro da Ponta das Laranjeiras. Aos 93 anos, ela já não
escuta como antes, vê o mundo embaçado e não tem mais a companhia do marido, o
antigo operário Antônio Teófilo da Silveira – morto há 44 anos. A nova ponte,
construída por ele, também já deixou de ser novidade.
Modernidade desponta ao lado
da estrutura histórica
Ali, da janela de casa,
Otília viu os anos engolirem a modernidade que a ponte já esbanjou um dia. E,
no lugar de solucionar, virou um dos principais gargalos da BR-101 no Estado.
Mas, como há 80 anos, a cena volta a se repetir nas águas do Canal das
Laranjeiras. Ao lado das duas pontes, os pilares de uma nova megaestrutura
surgem a passos rápidos, erguendo a futura Ponte Anita Garibaldi. Às vezes,
Otília senta com Terezinha na varanda e, juntas, as duas assistem ao vaivém das
balsas que dura o dia inteiro. É como se uma centena de anos passasse em um
segundo: a moderna ponte desponta colossal a poucos metros de uma estrutura
centenária e histórica, tombada pelo município. Lá dentro, um exército de 1,6
mil homens trabalha para edificar os mais de 2,8 quilômetros de extensão em
formato estaiado, uma das mais belas estruturas de engenharia que existem hoje
no mundo. Depois de concluída, será a segunda maior do gênero no Brasil. A obra
chama tanto a atenção, que os empreiteiros responsáveis decidiram abrir os
portões do canteiro de obras uma vez por mês para receber uma multidão de
visitantes curiosos. As quase 50 vagas disponíveis a cada mês já estão
esgotadas até outubro e a fila de espera não para de crescer. Há quem fale em
“momento histórico” e compare a estrutura a “uma nova Hercílio Luz” no futuro. —
Existem pontes impressionantes pelo mundo, mas é como se elas sempre estivessem
lá. Nenhuma me instigou tanto quanto esta, que vi nascendo. É maravilhoso ver o
que o homem é capaz de fazer — comenta o engenheiro colombiano Robinson Dueñas,
24 anos, que esteve na obra pela primeira vez na última semana.
Canteiro de obras repleto de
lições
Uma vez por mês, 50 pessoas
se misturam aos quase 1,6 mil funcionários que trabalham dia e noite para
erguer a maior ponte de Santa Catarina. São engenheiros, arquitetos, estudantes
e curiosos de toda a parte que querem conhecer de perto o que há de tão
particular na construção: quem, afinal, não se sente atraído pelo nascimento de
um novo cartão-postal? O canteiro de obras, porém, não abre as portas só para
os curiosos. Na semana passada, 26 trainees, contratados pela empreiteira líder
do Consórcio Ponte de Laguna, a Camargo Corrêa, enfrentaram cinco dias de aula
prática no local. De todos trabalhos da empresa no mundo, a Ponte Anita
Garibaldi foi a escolhida para fazê-los entender e conhecer a rotina de uma obra
que nunca para. Nenhum deles trabalhará nesse projeto, mas só lá poderão
adquirir lições que não receberiam em outros lugares. — É muita coisa
acontecendo ao mesmo tempo: como se perfura uma estaca no fundo da lagoa, como
fazer para edificá-la, como montar estruturas que pesam 500 toneladas e
levá-las para ficarem suspensas em alto-mar. Isso tudo é muito atrativo, com
impacto muito grande e cria muita expectativa — admite Robinson, que se prepara
para assumir a produção da hidrelétrica de Ituango, a maior da Colômbia. Separados
em três grupos de trabalho, eles visitaram desde o canteiro de obras em terra,
onde o processo começa, até os trabalhos em mar. De uma outra frente, quatro
jovens acompanharam o planejamento executivo. São engenheiros que ficarão responsáveis
por organizar cada etapa de uma construção, desde o tempo necessário, até o
tipo de equipamento a ser usado.
Disponível em: http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc.
Acesso em 01/02/2014
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