História
Um novo caminho para os
feridos da Segunda Grande Guerra
Há
pelo menos 100 anos, o esporte tem disputas entre atletas com algum tipo de
deficiência física. Em 1888, Berlim, na Alemanha, já contava com clubes que
promoviam a participação de surdos nos esportes. Mas foi somente depois da
Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que as competições entre aqueles que depois
seriam chamados de atletas paralímpicos ganharam força mundialmente. E com o
propósito, justamente, de acolher o grande número de soldados feridos nos
combates.
Em 1944, a pedido do governo
britânico, o médico Ludwig Guttmann abriu um centro especializado em lesões na
coluna, no Stoke Mandeville Hospital, onde a reabilitação por meio do esporte
evoluiu de recreacional para competitiva.
Em 29 de julho de 1948, na cerimônia
de abertura dos Jogos Olímpicos de Londres, Guttmann organizou a primeira
competição em cadeiras de rodas, à qual chamou de Jogos de Stoke Mandeville.
Dezesseis militares inscritos, entre homens e mulheres com algum tipo de lesão,
participaram do torneio de tiro com arco. Em 1952, militares holandeses
aderiram ao movimento e os Jogos de Stoke Mandeville se tornaram
internacionais.
Os
primeiros Jogos Paraolímpicos, sob esse nome, foram realizados em Roma, na
Itália, em 1960, com 400 inscritos, de 23 países. Desde então, são promovidos a
cada quatro anos, assim como os Jogos Paraolímpicos de Inverno, que tiveram sua
primeira edição em 1976, com sede em Örnsköldsvik, na Suécia.
Foi
ainda em 1960 que a Federação Mundial de Ex-Militares instalou um Grupo
Internacional de Trabalho do Esporte para Deficientes, encarregado de estudar
os problemas enfrentados por essas pessoas, com relação à prática desportiva. A
partir das conclusões desse grupo, foi criada a Organização Internacional
Esportiva para os Deficientes (ISOD na sigla em inglês), em 1964, que passou a
oferecer oportunidades para atletas deficientes - com problemas de visão,
amputados, pessoas com paralisia cerebral e paraplégicos - que não podiam se
inscrever nos Jogos de Stoke Mandeville, que já contava com sua Federação
Internacional (ISMGF, na sigla em inglês).
Com 16 países filiados no início, a
ISOD trabalhou duro para incluir atletas cegos e amputados nos Jogos Olímpicos
de Toronto-1976, no Canadá, e com paralisia cerebral em Arnhem-1980, na
Holanda. O objetivo da ISOD era abraçar todos os tipos de deficiência no futuro
e atuar como um comitê "co-coordenador" dos Jogos Paraolímpicos.
No
entanto, foram fundadas outras organizações ligadas a pessoas deficientes, como
a Associação Internacional de Esporte e Recreação para Atletas com Paralisia
Cerebral (CPISRA na sigla em inglês) e a Federação Internacional de Esportes
para Cegos (IBSA), que nasceram, respectivamente, em 1978 e 1980. Assim, as
quatro entidades acabaram por criar o Comitê Internacional Co-coordenador de
Esportes para Deficientes no Mundo (ICC), em 1982, pela necessidade de
trabalhar em conjunto para os Jogos Paraolímpicos.
Inicialmente, portanto, o ICC foi composto
pelos presidentes da CPISRA, da IBSA, da ISMGF e da ISOD, além de seus
secretários-gerais e de um membro adicional (primeiro, foram os
vice-presidentes; depois, os oficiais técnicos).
O Comitê Internacional de Esportes
para Surdos (CISS, na sigla em inglês) e as Federações Internacionais
Esportivas para Pessoas com Deficiência Intelectual (INAD-FID) se juntaram ao
ICC em 1986 (com os surdos ainda mantendo sua própria organização).
Com o tempo, os países-membros
reivindicaram maior representação nacional e continental no ICC. Em 22 de
setembro de 1989, o Comitê Paraolímpico Internacional foi fundado como entidade
sem fins lucrativos em Dusseldorf, na Alemanha, para atuar como órgão dirigente
do movimento parallímpico global. Foi acertado, em inglês, que fosse
"paralímpico", sob argumento de que a denominação derivaria da
preposição grega "para" (ao lado) e da palavra olímpico, significando
que os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos caminhariam em paralelo, lado a lado.
Desde a Olimpíada de Seul-1988, na
Coreia do Sul, e da Olimpíada de Inverno em Albertville-1992, na França, os
Jogos Paraolímpicos são disputados nas mesmas cidades e locais de competição
dos Jogos Olímpicos, em acordo com os respectivos Comitês Internacionais.
Guttmann: o pai do
paradesporto
Filho mais velho de uma família judia
ortodoxa de Tost, na Alemanha (atualmente na Polônia), Ludwig Guttmann nasceu
em 1899 e teve três irmãs. Com 18 anos, apresentou-se como enfermeiro
voluntário no Hospital para Acidentes com Mineiros, depois de testemunhar um
acidente e ficar impressionado. Foi nesse hospital que se interessou pelo caso
de um paciente que deu entrada com lesão nas costas e paralisia abaixo da
cintura, morto semanas depois por infecção urinária que evoluiu para
septicemia.
Com 19 anos, em 1918, Guttmann
começou a estudar Medicina na Universidade de Breslau, hoje Wroclaw, na
Polônia, onde passou cinco anos. Após uma inclinação para a área de Pediatria,
acabou se especializando em Neurologia e Neurocirurgia. Na década de 1930, já
era diretor do hospital da cidade e reconhecido no país por seu trabalho, até
que Adolph Hitler se tornou chanceler, em 1933. Impedido de trabalhar
livremente pelas pressões exercidas sobre os judeus, Guttmann aceitou convite
do governo britânico e mudou-se em 1939 para Oxford com a mulher, Else, e dois
filhos pequenos, Dennis e Eva. Lá,e desenvolveria projetos de pesquisas.
Após a eclosão da Segunda Guerra
Mundial em 1939, o governo britânico decidiu se preparar para um contingente
maior de soldados que certamente voltariam ao país com ferimentos graves,
principalmente depois das investidas de 1944 contra as forças alemãs. Para os
feridos, seria organizada uma ala hospitalar especializada em lesões de medula,
para funcionar em regime de prontidão. As opções para a unidade eram as cidades
de Basingstoke ou Stoke Mandeville.
Em
setembro de 1943, Guttmann foi convidado a dirigir essa ala, onde iria
desenvolver métodos de tratamento para casos de paraplegia. A decisão foi por
Stoke Mandeville e o médico assumiu seu posto em 1944 como diretor dessa ala,
chamada inicialmente de Enfermaria X (Ward X, em inglês) e dotada de 26 leitos
para mutilados de guerra e pacientes paralíticos. A unidade iria se tornar o
Centro Nacional de Lesões da Coluna, no Hospital de Stoke Mandeville.
De acordo com artigo do cardiologista
Lauro Arruda, publicado no site do Hospital do Coração, de São Paulo, Guttmann
estudava e ajudava as pessoas que ficavam presas a camas ou cadeiras e que em
três anos chegaram a um índice de mortalidade de 18% por conta de escaras,
infecções ou de depressão. Foi quando, além de começar a usar a fisioterapia no
tratamento, Guttmann pensou também em usar o esporte para motivar esses pacientes,
começando por arremessos de bola, para exercitar os membros superiores. Os
reflexos da iniciativa produziram um aumento de resistência física e de
auto-estima.
Um veterano da Primeira Guerra
Mundial (1914-1918), que havia passado 26 anos na cama, em seis meses passou a
andar apoiado em bengalas, com os novos métodos implantados por Guttmann. Entre
esses métodos estavam, além da prática de exercícios físicos, o desenvolvimento
de novos modelos de cadeiras de rodas.
Nos Jogos Olímpicos de Londres-1948,
o médico organizou competições de arco e flecha e basquete em cadeiras de rodas
para seus 16 atletas (14 homens e duas mulheres) portadores de deficiências. Em
1952, esses Jogos de Stoke Mandeville organizados por Guttmann já tinham
caráter internacional, com mais de 130 inscritos. Em 1960, a competição
iniciada por Guttmann foi disputada em Roma, na Itália, já sob o nome de Jogos
Paraolímpicos. Foram 400 inscritos, de 23 países, participando de oito
esportes, dos quais seis seguem no programa parallímpico até hoje (tênis de
mesa, tiro com arco, basquete, natação, esgrima e atletismo).
Guttmann ainda fundou a Federação
Inglesa de Esportes para Portadores de Deficiência em 1961, ano em que também
assumiu a presidência da Sociedade Médica Internacional de Paraplegia
(atualmente Sociedade Internacional de Medula Espinhal). Em sua homenagem,
Barcelona, na Espanha, fundou o Instituto Guttmann em 1965 – foi o primeiro
hospital especializado em neurorreabilitação de portadores de lesão medular e
danos cerebrais.
Ludwig Guttmann morreu de infarto no
miocárdio em 1989. Nos Jogos Paraolímpicos de Londres-2012, com participação de
4.200 inscritos, Eva Guttmann foi indicada como prefeita da Vila Paraolímpica,
em homenagem ao pai.
Fontes: Comitê
Paraolímpico Internacional, Comitê Paraolímpico
Britânico e artigo do médico cardiologista Lauro Arruda em site do
Hospital do Coração. Disponível em: http://www.brasil2016.gov.br/pt-br/paraolimpiadas. Acesso em 07/04/2016.
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