Precisamos incentivar uso
racional da água e energia nas construções e tratar com seriedade o fato de a
Região Metropolitana de SP consumir muito mais do que produz.
Por Nabil Bonduki
Hoje, 22 de março, Dia
Internacional da Água, São Paulo nada tem a comemorar. A situação crítica do
sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de mais da metade da Região
Metropolitana de São Paulo e que chegou ao nível mais baixo da história, nos coloca
diante de uma crise de proporções inéditas. Urge ao governo do estado, por meio
da Sabesp, mostrar para a população a gravidade da situação e adotar medidas
drásticas e imediatas para reduzir o consumo, garantir o uso racional da água e
proteger com mais ênfase os mananciais da Grande São Paulo. Vivemos as
consequências de erros do passado. A atual crise talvez pudesse contribuir para
evitar que continuemos a errar, mas, infelizmente, as medidas anunciadas pelo
governador Geraldo Alckmin (PSDB) mostram que está se reproduzindo soluções
paliativas que reforçarão a dependência da região. Um pouco de história nos
ajuda a compreender a origem da crise. Em meados do século passado, São Paulo
demandava novas fontes de energia. A solução adotada foi o bombeamento do curso
dos rios Tietê e Pinheiros para a represa Billings, aproveitando os 700 metros
de desnível na Serra do Mar para gerar energia na Usina Henry Borden. Estava
garantida a energia barata, mas, em contrapartida, decretada a morte da
Billings como manancial. Com o crescimento da população, Guarapiranga,
utilizada para abastecimento desde 1929, não era mais suficiente. A solução foi
a implantação, na década de 1960, do sistema Cantareira, formado por cinco
bacias hidrográficas que abrangem uma vasta região de 228 mil hectares – quase
metade dela situada no estado de Minas Gerais. Os rios que alimentam o sistema
contribuem também para o abastecimento de Piracicaba e Campinas. Inaugurou-se,
então, a prática de “tomar emprestado” e não devolver – pois essas águas,
utilizadas e transformadas em esgoto, iam sem tratamento para os rios Tietê e
Pinheiros e acabavam na Billings, não retornando às bacias de origem. Estávamos
em plena ditadura e nem se cogitava o gerenciamento dos recursos hídricos por
bacias hidrográficas. O bombeamento do rio Tietê só foi proibido no inicio dos
anos 1990. Os sistemas Cantareira e Guarapiranga já não bastavam para abastecer
a metrópole e o Braço Taquacetuba da represa Billings, cujos formadores estão
em território paulistano, passou a ser revertido para a represa de Guarapiranga
e utilizado também para abastecimento. Mas o corpo central da Bilings já estava
comprometido por quatro décadas de bombeamento do Tietê e a qualidade das águas
de Guarapiranga só piorava, apesar das restrições estabelecidas em 1976 pela
legislação estadual de proteção aos mananciais. Ocupações irregulares,
consequência da falta de política habitacional, e o descaso dos governantes
foram agravando o problema. Nas décadas de 1990 e 2000, a pauta dos recursos
hídricos esteve muito presente na agenda ambiental nacional. Foi criado o
Sistema Nacional de Recursos Hídricos, instituídos os Comitês de Bacias
Hidrográficas – instâncias tripartites de gestão. Mas em São Paulo, apesar de
algumas iniciativas notáveis, como o Sistema de Fiscalização Integrada SOS Mananciais,
as legislações específicas das bacias hidrográficas Guarapiranga e Billings e a
criação das Áreas de Proteção Ambiental Municipais Capivari-Monos e
Borore-Colônia, o tema não foi tratado
com a devida importância. O colapso do sistema Cantareira reconduziu a pauta
dos recursos hídricos para a agenda governamental. Mas a solução proposta pelo
governo estadual, de buscar água no rio Paraíba do Sul, responsável pelo
abastecimento do Rio de Janeiro, é mais do mesmo. Se, no passado, captamos água
em Minas Gerais, em detrimento da utilização de mananciais localizados na
Região Metropolitana de São Paulo, agora iremos novamente buscar água em outras
bacias hidrográficas? Em contrapartida, nada tem sido dito sobre a proteção dos
mananciais existentes. Será que não aprendemos com as lições do passado? O
município de São Paulo pouco pode fazer para proteger os formadores do sistema
Cantareira, que estão fora do seu território. Mas, pode muito ao proteger a
porção paulistana das bacias hidrográficas Guarapiranga e Billings. É nesse
sentido que propusemos no Substitutivo do Projeto de Lei do Plano Diretor, que
estou redigindo na Câmara Municipal, a recriação da zona rural do município, onde estão as
cabeceiras dos principais formadores das represas Guarapiranga, principalmente,
e Billings. Avançamos, assim, com um projeto de desenvolvimento econômico
adequado para essa região, pautado na sustentabilidade e na inclusão social
produtiva, coibindo os loteamentos urbanos. Por outro lado, estamos
regulamentando, em nível municipal, o pagamento por serviços ambientais, um
novo instrumento para preservar as matas que protegem os cursos d'água e
nascentes, mecanismo que deveria também ser adotado pelo Estado, com recursos
da Sabesp. É nossa responsabilidade proteger a água que os mais de quatro
milhões de paulistanos não abastecidos pelo sistema Cantareira bebem. Para
evitar que fiquemos sem água, precisamos de mais educação ambiental e usar o
pouco que resta do sistema Cantareira com parcimônia. Precisamos incentivar uso
racional da água e energia nas construções e tratar com seriedade o fato de a
Região Metropolitana de São Paulo consumir muito mais água do que produz, o que
caracteriza um aspecto evidente de insustentabilidade. O problema é
metropolitano, a gestão é estadual, mas o município de São Paulo, adotando as
propostas que integram o substitutivo do Plano Diretor, pode iniciar um
processo inovador para garantir a proteção dos mananciais.